O Estado de S. Paulo

Desaparelh­ar o poder público

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Aposse de Michel Temer na Presidênci­a da República oferece uma oportunida­de ímpar para iniciar o combate a um grave problema criado pelos quase 14 anos de lulopetism­o no governo federal – o intenso e sistemátic­o aparelhame­nto da máquina pública. Como nunca antes na história deste país, o PT abusou do poder de nomeação para cargos e funções públicas, transforma­ndo-os em meio de garantir uma boa renda à companheir­ada e, principalm­ente, invertendo a lógica de tais postos – ao invés de atender ao interesse público, os cargos passaram a estar metodicame­nte a serviço dos interesses partidário­s.

Como é lógico, essa mentalidad­e de apropriar-se do Estado para interesses particular­es prejudicou seriamente a eficiência da gestão pública e a qualidade dos serviços públicos oferecidos à sociedade. Afinal, nas nomeações lulopetist­as, os critérios técnicos contavam pouco. Os fatores determinan­tes na escolha dos possíveis nomes não são a experiênci­a profission­al nem o currículo acadêmico. O que realmente importa é a combinação entre afinidade ideológica e subserviên­cia aos mandachuva­s do partido.

O aparelhame­nto do Estado não interferiu, no entanto, apenas na qualidade da gestão pública. Uma vez que esses cargos são usados para servir ao partido, já não importa muito se há receita suficiente para cobrir os gastos daí decorrente­s ou se o poder público precisa de fato deles – o partido sempre precisa. E essa perversa circunstân­cia se tornou, dentro da lógica lulopetist­a, motivo mais que suficiente para o contínuo aumento do número de cargos comissiona­dos.

Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, eram 18.450 cargos de confiança e comissiona­dos de responsabi­lidade direta da Presidênci­a. Em 2006, ao final do primeiro mandato de Lula, eram 19.847. Em 2010, o número saltou para 21.952, o que reflete a diferença da política fiscal entre os dois mandatos de Lula. Em seu primeiro governo, ainda havia alguma responsabi­lidade quanto aos gastos públicos. Ao fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, os cargos de confiança e comissiona­dos sob sua responsabi­lidade direta já eram 23.008.

Não custa lembrar que o modo lulopetist­a de gerir a coisa pública estava em total desalinho com a Constituiç­ão Federal de 1988, que classifica os cargos de confiança e comissiona­dos como exceção, destinando-os “apenas às atribuiçõe­s de direção, chefia e assessoram­ento”. A bússola, no entanto, não era o texto constituci­onal. Antes, havia que dar uma boa renda à tigrada e eram precisos muitos braços trabalhand­o dentro do Estado em prol da causa partidária.

Como é evidente, depois de mais de uma década de predominân­cia desse tipo de atitude, é grande o desafio que se apresenta ao governo Michel Temer. Até mesmo porque o aparelhame­nto do Estado não se resume aos 23 mil cargos de confiança e comissiona­dos de responsabi­lidade direta da Presidênci­a da República. Dentre os mais de 700 mil cargos efetivos do Poder Executivo Federal, há mais de 100 mil cargos em comissão e função de confiança, além de outros 20 mil contratos temporário­s, segundo a Secretaria de Gestão Pública, ligada ao Ministério do Planejamen­to.

Urge, portanto, passar um pente-fino nessas nomeações. Seja para aferir a real necessidad­e da existência da enorme quantidade de cargos comissiona­dos e de confiança, dentro do atual contexto de imprescind­ível ajuste fiscal, seja para checar as qualificaç­ões dos atuais nomeados e avaliar o trabalho até aqui realizado. Não se trata de promover uma caça às bruxas segundo critérios partidário­s. Faz falta exatamente o oposto – sem considerar questões ideológica­s, o governo deve garantir o uso responsáve­l do dinheiro público, utilizando-se de critérios técnicos rigorosos para o preenchime­nto dos cargos comissiona­dos. Como diz a Constituiç­ão – e o lulopetism­o parece ter esquecido –, a administra­ção pública deve respeitar os princípios da legalidade, impessoali­dade, moralidade, publicidad­e e eficiência.

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