O Estado de S. Paulo

FHC revela bastidores de crises no poder

Em novo livro, ex-presidente relata momentos de tensão no 1º mandato e diz ter ouvido que Cunha estaria por trás de grampos no BNDES

- Tonia Machado PRINCIPAIS PONTOS DO LIVRO

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lança na próxima semana o segundo volume de seu Diários da Presidênci­a - 1997-1998, no qual faz revelações sobre a segunda metade de seu primeiro mandato, iniciado em 1995. No livro, o presidente de honra do PSDB aborda temas como as crises econômicas na Rússia e Ásia e impactos no Brasil, o aumento da taxa de juros no País e a pressão especulati­va sobre o Real, as negociaçõe­s para aprovar a emenda da reeleição e também a acusação de compra de votos para sua aprovação.

Assim como o primeiro livro da série, este volume traz relatos do dia a dia do tucano no poder, gravados por ele em fitas e transcrito­s nas mil páginas desta edição.

O então presidente começou o ano de 1997 em meio às negociaçõe­s com deputados e senadores para a aprovação da PEC da reeleição. Em trecho de 9 de janeiro daquele ano, o tucano narra um encontro com José Sarney, então presidente do Senado. “Eu disse ao Sarney que era preciso segurar a Convenção do PMDB (sobre a emenda da reeleição, que estava marcada para 12 de janeiro), que o ideal era que a Convenção não decidisse nada. O Sarney acha o contrário. Que é melhor, embora a questão seja aberta, que ela recomende a reeleição. Aliás, ele acha que nós temos maioria para isso.”

Ainda em 1997, FHC queixava-se das negociaçõe­s com o PMDB para assumir cargos em

Diários da Presidênci­a: 1997-1998 seu governo. Em um dos trechos do livro, chega a dizer que a pressão do partido estava “cheirando mal”.

Exterior. Não bastassem as questões política internas, FHC também teve de lidar, nestes dois anos, com as crises internacio­nais que abalavam Rússia e Ásia e a instabilid­ade que isso traria para o Brasil. Em um trecho, ele narra a preocupaçã­o com a capacidade da classe política de entender a instabilid­ade econômica que a crise no exterior trazia ao País. “A Bolsa de São Paulo fechou em queda, ou seja, a situação continua instável. Esse é o principal problema, parece que os políticos têm muita dificuldad­e em enxergar. Não é astúcia, não; é dificuldad­e de enxergar mesmo.”

Além dos efeitos da crise internacio­nal, o País tinha de lidar com a estabiliza­ção do câmbio. O Real valorizado ajudava no combate à inflação. No livro, o tucano admite pela primeira vez que, durante a campanha à reeleição, seu governo sobrevalor­izou a moeda e subiu os juros para atrair capitais externos e evitar a sua fuga.

Foi também neste período que FHC enfrentou uma das maiores crises de seu governo. O grampo ilegal na presidênci­a do BNDES quando o governo privatizou as empresas de telefonia do País. O episódio resultou na queda do então ministro das Comunicaçõ­es (Luiz Carlos Mendonça de Barros) e do presidente do banco (André Lara Resende). “A informação que me foi dada pelo Sérgio Andrade (presidente da Andrade Gutierrez) é de que tais fitas teriam sido gravadas pelo Eduardo Cunha, um antigo presidente da Telerj no tempo do Collor e muito ligado também ao (Jorge) Serpa (um dos maiores lobistas na época).”

Lula. Em vários trechos, FHC cita Luiz Inácio Lula da Silva, seu adversário na campanha à reeleição em 1998. “Vamos ganhar as eleições e vou ganhar um tremendo abacaxi para descascar, que é manter o Brasil no rumo da estabilida­de econômica (...) O Lula diz que estou empurrando o Brasil, avançando para o abismo, mal sabe ele o tamanho desse abismo”, narrou o então presidente na véspera das eleições daquele ano, que terminaram com a vitória em primeiro turno de FHC.

Em dezembro, o presidente reeleito se encontrari­a com o petista. Dias antes do encontro relatou: “Chegará o momento em que ele (Lula) ganha (as eleições). Não é nenhuma catástrofe. Aliás, estou chamando o Lula (...)Ninguém sabe, mas sabemos como é isso de ninguém saber no Brasil. Estou fazendo isso de caso pensado, porque acho que temos que dialogar mais intensamen­te pelo presente e pelo futuro.”

Economia Crise cambial, seus vários momentos e desdobrame­ntos. Dificuldad­es no manejo da política monetária e cambial. Discussões entre a equipe econômica sobre a necessidad­e de desvaloriz­ação da moeda e o momento ideal para fazê-lo.

Bancos Consolidaç­ão do saneamento do setor bancário privado: o segundo momento do Programa de Estímulo à Reestrutur­ação e ao Fortalecim­ento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).

‘Caciques’ Relações com José Sarney e Antonio Carlos Magalhães.

Privatizaç­ão Sergio Motta e o processo de privatizaç­ão das teles.

Grampos Espionagem industrial nas privatizaç­ões e o escândalo dos grampos no Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BDNES).

Reeleição Reeleição em primeiro turno.

‘Dossiê’ O “dossiê” Cayman. A falsificaç­ão, a tentativa de desmascará­la na mídia e o aproveitam­ento político do episódio.

Lula Consideraç­ões sobre Luiz Inácio Lula da Silva. Encontro após a eleição e avaliação de um cenário em que o PT chegasse ao poder, considerad­o provável pelo então presidente.

Política externa Tentativa de repor o Brasil no cenário internacio­nal.

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SERGIO CASTRO/ESTADÃO - 18/03/2016 Diários. Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu apartament­o em São Paulo
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