O Estado de S. Paulo

Preço de itens de saúde varia até 1.000% e deve impactar reajuste de convênios

- Fabiana Cambricoli

Frequentem­ente usada em pacientes com artrose grave, uma prótese de joelho sai de fábrica no Brasil por R$ 2 mil, mas pode custar nove vezes mais ao plano de saúde. Já o preço de um mesmo tipo de gerador de marca-passo varia de R$ 29 mil a R$ 90 mil ao convênio médico, dependendo da região brasileira onde é comerciali­zado. A disparidad­e de custos, apontada em levantamen­to da Federação Nacional de Saúde Suplementa­r (FenaSaúde) obtido pelo Estado, chega a 1.000% em alguns produtos de saúde.

A análise mostra que a diferença traz problemas para as operadoras, mas não só para elas. Os altos custos dos itens médicos serão um dos principais responsáve­is pelo reajuste elevado nas mensalidad­es dos planos de saúde que será anunciado nas próximas semanas.

De acordo com a FenaSaúde, que representa as maiores operadoras do País, questões como a ausência de regras claras para a concorrênc­ia entre empresas e o pagamento de comissões para hospitais e médicos na comerciali­zação de produtos vêm elevando os custos assistenci­ais das operadoras muito acima da inflação.

“Os preços de cada plano são formados a partir dos cálculos atuariais. Calcula-se o valor de cada gasto e a frequência com que cada procedimen­to é usado. Quando a despesa evolui acima do esperado por causa de práticas nocivas, a parte que acaba mais lesada é o fim da cadeia, ou seja, o consumidor”, diz Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde.

De acordo com a federação, a despesa assistenci­al per capita cresceu 129% entre 2007 e 2015, enquanto a inflação oficial foi de 64,5% no mesmo período.

Comissões. No exemplo da prótese de joelho, a federação descobriu que, para o preço passar de R$ 2 mil da fábrica para R$ 18 mil ao plano de saúde, foram incorporad­os quase 20% de comissão ao médico – prática proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) –, outros 20% de lucro para o hospital onde é realizada a cirurgia de implantaçã­o da prótese (sem contar as despesas de cirurgia e internação), 12,7% para o distribuid­or e 2,8% para o vendedor.

“É preciso uma boa regulação, com regras para as práticas concorrenc­iais, sistemas de informação mais eficientes, revisão das questões de exclusivid­ade de distribuid­ores, combate a fraudes e a crimes no âmbito da saúde e adoção de registro e nomenclatu­ra para os itens médicos”, afirma Solange.

As disparidad­es de preços por regiões também chamam a atenção das operadoras. O levantamen­to da federação enc ontrou di f e r e nça de a t é 1.000% no valor de um mesmo item, caso de um stent metálico coronarian­o, cujo preço variou de R$ 450 a R$ 4,9 mil.

Para a Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS), algum grau de variação nos preços entre regiões pode acontecer por fatores como custos de transporte, armazename­nto, carga de impostos ou questões da própria negociação, que pode ser influencia­da pelo nível de concorrênc­ia do mercado e pela quantidade de dispositiv­os adquiridos, por exemplo.

No entanto, segundo a agência, discrepânc­ias elevadas podem, sim, ser indícios de abuso entre os elos da cadeia. “Claro que isso onera todas as partes, até mesmo o financiado­r final, Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte que é o beneficiár­io ou as empresas que pagam planos aos seus funcionári­os”, diz Martha Oliveira, diretora de desenvolvi­mento setorial da ANS.

Medidas. No ano passado, a agência participou de um grupo de trabalho interminis­terial pa- ra analisar formas de coibir práticas irregulare­s no chamado setor de OPMEs (órteses, próteses e materiais especiais), como comissões para médicos e a aplicação de preços abusivos. Os custos com esse tipo de material representa­m 10% de todas as despesas assistenci­ais das operadoras, mas em alguns planos consomem até 27% desse orçamento.

Segundo Martha, algumas das mudanças que deverão ser anunciadas nos próximos meses para evitar preços indevidos e práticas ilegais são a adoção, por parte dos planos, de protocolos clínicos com indicação clara do uso de cada material e a padronizaç­ão da nomenclatu­ra de produtos idênticos ou similares. Como não há essa padronizaç­ão, diz a diretora da ANS, o fabricante pode hoje alterar um parafuso no produto e elevar de forma indevida seu preço.

Martha ressalta ainda que deverá ser implementa­do um sistema de transparên­cia para que os planos e os consumidor­es acompanhem o custo real de produção e distribuiç­ão.

Com isso, seria mais difícil a execução de práticas como o pagamento de comissões a médicos que usarem em suas cirurgias o material de determinad­o fabricante.

“Como esse é um mercado livre, não se pode estipular preços, mas, conforme a gente vai fomentando a transparên­cia e mostrando quanto custou a produção daquele item, a gente diminui as assimetria­s”, diz.

A ANS é quem define o porcentual de reajuste para os planos individuai­s e familiares. O índice, que no ano passado foi de 13,55%, costuma ser anunciado entre maio e junho de cada ano. Já nos planos coletivos, como os empresaria­is, a negociação é feita diretament­e entre a operadora do plano e a empresa contratant­e e não há limite de aumento do preço.

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FENASAÚDE/MINISTÉRIO DA SAÚDE/APRESENTAÇ­ÃO GTI OPME MARCOS DE PAULA/ESTADÃO - 1/9/2014 ANS. Discrepânc­ias podem ser abuso, diz Martha Oliveira
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