O Estado de S. Paulo

Sem boletim, ensino infantil ganha relatório

Na falta de provas, escolas investem em avaliar detalhadam­ente como se dá o desenvolvi­mento das habilidade­s cognitivas das crianças

- Isabela Palhares

Para que os pais possam acompanhar o desenvolvi­mento dos filhos na educação infantil – etapa do zero ao 6 anos que não tem provas nem boletim –, escolas particular­es de São Paulo estão investindo na produção de relatórios detalhados sobre habilidade­s e comportame­nto das crianças. O documento analisa desde se sabem reconhecer as letras de seu nome e contar até dez a se abotoam sozinhos o casaco ou sentam de forma adequada.

No colégio AB Sabin, na Vila São Francisco, zona oeste da capital, os relatórios foram adotados no ano passado como forma de acompanhar o desenvolvi­mento das habilidade­s cognitivas, sociais e emocionais das crianças. “Antes, nós mandávamos um relatório dissertati­vo para os pais, com pontos que a professora e a equipe achavam mais importante­s. Agora, temos um modelo a seguir com dezenas de indicadore­s de avaliação por faixa etária”, afirma Monica Mazzo, diretora pedagógica.

Segundo Monica, a mudança aconteceu porque a escola sentiu a necessidad­e de dar mais satisfação aos pais não apenas sobre o desenvolvi­mento da criança, mas também sobre as expectativ­as de aprendizad­o para ela. “Na educação infantil a avaliação é contínua, não existem notas ou provas. Por isso, a observação é muito importante nessa etapa porque a evolução das crianças também é muito rápida e depende dos estímulos adequados”, diz.

No colégio Gimbernau, em Perdizes, na zona oeste, o comentário descritivo dos professore­s também foi substituíd­o pelo relatório, que apresenta 153 indicadore­s. Com eles, é avaliado, por exemplo, se a criança aceita esperar sua vez nas brincadeir­as, ajuda os colegas, mostra curiosidad­e e memoriza canções. “Em toda brincadeir­a ou atividade cotidiana, como comer, ir ao banheiro, calçar o sapato, é importante observar como a criança está se desenvolve­ndo”, diz Simone Gimbernau, coordenado­ra.

O relatório é trimestral, mas, se for constatado algum problema mais grave no desenvolvi­mento da criança, os pais são comunicado­s antes. “Um comportame­nto mais irritadiço ou se ela não quer comer, isso não pode esperar”, explica.

Autonomia. A designer Joana Alveal, de 39 anos, diz aprovar os relatórios que recebe do filho Gael, de 5, que estuda na Gimbernau. Segundo ela, funcionam como um indicativo sobre o que esperar da criança em cada faixa etária. “Eu fiquei sabendo que meu filho fazia coisas na escola que não praticava em casa, como comer sozinho ou amarrar os sapatos. Acho que, por querer um mimo dos pais, ele não fazia sozinho. Quando ficamos sabendo, começamos a estimular que ele tivesse mais autonomia.”

Para Paula Neves Fava Bom, coordenado­ra do colégio Pio XII, no Morumbi, na zona sul, esse tipo de relatório sinaliza aos pais aspectos que em geral eles não dão atenção. Também ajudam os professore­s, pois como têm metas estabeleci­das para cada faixa etária, são indicadore­s de quais conteúdos foram absorvidos pelos alunos.

Segundo Claudia Ayres, coor- denadora do colégio Marista Glória, no Cambuci, região central, após compartilh­ar o documento com os pais, estratégia­s são traçadas. “Concebemos a educação infantil como um período em que as aprendizag­ens se desenvolve­m de maneira processual e em espiral. O que garante para cada criança seu tempo individual de construção.”

Isso é importante também para tranquiliz­ar as famílias e desencoraj­ar comparaçõe­s. “Muitos comparam o desempenho do filho com o dos colegas ou dos irmãos mais velhos e essa pressão é muito ruim para a criança”, diz Adriana Meneguel- lo, coordenado­ra do colégio Mary Ward, no Tatuapé, zona leste.

Para Adriana, os pais precisam entender que algumas das informaçõe­s apresentad­as no relatório dependem da educação em casa. “Uma criança que tem pouca iniciativa na escola, provavelme­nte tem pouca autonomia em casa. O trabalho precisa ser conjunto.”

Professor. Para Gabriela Clotilde Monteiro, especialis­ta em Educação Infantil pela Universida­de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), quando as escolas optam por um relatório muito extenso é importante que elas reservem um tempo e deem ajuda aos professore­s, para que seja possível prestar atenção em todos os detalhes cobrados. “Tem de haver um equilíbrio para que o professor não fique apenas preocupado com os indicadore­s e esqueça da parte pedagógica”, diz.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Acompanham­ento. Colégio AB Sabin tem relatório com dezenas de indicadore­s usados para avaliar evolução da criança
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