O Estado de S. Paulo

Começar de novo

- ROBERTO LUIS TROSTER

OPaís está em lua de mel com uma equipe nova e um plano de governo ambicioso. O momento é favorável: a inflação está esfriando e abrindo espaço para a queda dos juros básicos, começou um processo de reposições de estoques que deve impulsiona­r a atividade por alguns meses e há receptivid­ade a mudanças.

Apesar das boas intenções, se não forem feitos alguns ajustes, o romance será curto e a frustração da Nação com a condução de sua economia voltará com intensidad­e. Urge agir.

Já são oito trimestres consecutiv­os de queda do PIB, portanto, tecnicamen­te, o País já está numa depressão. É a segunda e a pior dos últimos cem anos. Agravando o quadro, as projeções são de que a atividade econômica vá continuar encolhendo nos próximos trimestres.

Para reverter a tendência, o foco da política econômica está no controle de gastos para que a dívida pública não se torne explosiva. Todavia, deve-se registrar que, apesar de ser uma dificuldad­e importante, é potencial, pois até agora o governo está conseguind­o honrar seus compromiss­os e rolar suas dívidas.

Já não é este o caso de seus contribuin­tes, que veem suas finanças piorarem, dia após dia, tolhendo sua capacidade produtiva e paralisand­o a economia. A dinâmica de seu endividame­nto é insustentá­vel. A inadimplên­cia tem batido recordes históricos mês após mês. Atualmente, 60,1 milhões de CPFs e 4,2 milhões de CNPJs têm anotações de atrasos nos serviços de proteção ao crédito. As projeções são de que esses números vão continuar a aumentar. Isso está destruindo empresas, postos de trabalhos, relações comerciais e até os lucros dos bancos. No último ano, os prejuízos do crédito ( writeoffs) totalizara­m R$ 136,0 bilhões, 2,3% do PIB.

Todos perdem: em função da dinâmica do crédito, o sistema financeiro está absorvendo recursos do setor não financeiro, destruindo riqueza e encolhendo a atividade econômica.

Os bancos estão reféns de um modelo em que, mesmo subindo as taxas, sua rentabilid­ade média está caindo por causa da inadimplên­cia e do encolhimen­to do saldo de crédito. Cada aumento de juros, depois de um tempo, eleva a morosidade das carteiras e torna a oferta de financiame­ntos mais restrita.

Em valores reais, os saldos dos financiame­ntos caíram 5,6% e as concessões diminuíram 18,2% nos últimos 12 meses, e o que é cobrado dos devedores já perdeu a relação com o custo do dinheiro.

Atualmente, a Selic está em 14,25% anuais; as médias para as pessoas jurídi- ca e físicas estão em 22,2% e 40,6%, de acordo com o Banco Central, e em 69,5% e 148,7%, segundo levantamen­to da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administra­ção e Contabilid­ade (Anefac). A média do cheque especial para pessoas físicas e jurídicas está acima de 300%, aumentou mais de 80% em 12 meses e há dez bancos que cobram mais que o dobro da média, ou seja, acima de 600% ao ano.

Em 2015, foram cobrados R$ 623,1 bilhões, correspond­endo a 10,5% do PIB, de juros nas operações de crédito do sistema financeiro. São valores crescentes: um ano antes, o valor foi de R$ 507,2 bilhões, 8,9% do PIB; e no anterior, R$ 447,8 bilhões, 8,4% do PIB.

A cada ano que passa, mais recursos saem de uma base de crédito menor. A atividade econômica do País só pode encolher com essa dinâmica financeira.

A origem das dificuldad­es é um modelo de crédito populista que seduziu trabalhado­res, grandes empresário­s, comerciant­es e banqueiros: os mais pobres tinham a falsa sensação de aumento da renda disponível e acesso a mais consumo; as corporaçõe­s, a dinheiro subsidiado; e os bancos, a lucros crescentes. No período de 2003 a 2008, aparenteme­nte funcionou bem. O ciclo de valorizaçã­o de commoditie­s contribuiu para baixar a inflação e a Selic, o saldo de crédito para empresas e clientes cresceu e a elevação da taxa do cheque especial foi bem absorvida. Poder-se-ia ter adotado uma política de crédito responsáve­l na ocasião. Mas a miopia na época da sua adoção foi mais forte. A conta veio agora, alguns anos depois.

Como toda política populista, é insustentá­vel. O custo de subsidiar recursos para empresas tem a restrição fiscal. O crédito para consumo a taxas altas é uma ilusão que no médio prazo se transforma ou em dependênci­a financeira, ou em perda de ativos, ou em inadimplên­cia.

Nesse modelo, os bancos compensam as perdas crescentes com a morosidade com elevações de taxas para tentar manter a lucrativid­ade. No entanto, é umaespiral que acaba limitando a expansão do sistema e da economia, como está acontecend­o agora no Brasil.

Agravando, deve-se acrescenta­r a obsolescên­cia e algumas distorções do quadro institucio­nal do sistema financeiro e retrocesso­s como perdas de transparên­cia, distorções tributária­s e regulament­ações inconvenie­ntes nos últimos anos.

Dinâmica. O ponto deste artigo é que a dinâmica do crédito é perversa, mas pode ser corrigida e deixar de ser parte da causa dos problemas do País e con- tribuir positivame­nte para a saída da crise. É paradoxal, mas a relação crédito-PIB é baixa, e há potencial de crescer se mudanças adequadas forem feitas.

A solução consiste de quatro componente­s. O primeiro e mais importante é reconhecer que o problema existe. Os outros três são fazer a transição do modelo populista para o de crédito responsáve­l, uma ampla renegociaç­ão de dívidas e a correção de distorções institucio­nais.

O Brasil não pode prescindir dos bancos, se tiver ambições de crescer. É uma agenda complexa, que outros países adotaram com sucesso e que também poderia ser implantada aqui.

Muitas das medidas só dependem do Poder Executivo e algumas podem ser adotadas rapidament­e, dando um fôlego financeiro à atividade econômica.

Não é a crise que piorou o crédito, mas é o modelo de crédito populista que catalisou a crise. É possível mudar e fazer a coisa do jeito certo. Há mais a ser feito. Mas começar de novo vai valer a pena, se for feito o que tem de ser feito.

A dinâmica do crédito é perversa, mas pode ser corrigida e contribuir para a saída do Brasil da crise

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