O Estado de S. Paulo

Elegância invocada

Criação de crocodilos em cativeiro para produção de artigos de luxo pode ajudar animais que vivem na natureza

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Cerca de 30 mil crocodilos lagarteiam em Izintaba, uma fazenda de 40 hectares não muito distante da cidade sul-africana de Pretória. Vendidas para curtumes, que as utilizam para fabricar bolsas, cintos e pulseiras de relógios, as peles de crocodilo de maior qualidade chegam a custar mais de US$ 600. O manejo exige dedicação, mas não é particular­mente perigoso, diz Pit Süssmann, administra­dor da fazenda. Ele tem mais medo dos ladrões armados que invadem a propriedad­e para roubar carros e equipament­os do que dos animais.

As coisas andam bem para os criadores de crocodilos, que se reunirão este mês com ambientali­stas e outros pesquisado­res num congresso bianual, a ser realizado em local próximo à propriedad­e de Süssmann. As exportaçõe­s de couro de crocodilo tiveram alta de 30%, chegando a 1,8 milhão de peles em 2013, último dado disponível.

Isso se deveu, em parte, ao aumento da demanda, que passou por um período de baixa durante a crise financeira, quando os apreciador­es de couros exóticos trocaram os crocodilos por répteis mais baratos, como as serpentes píton. Também deve ter contribuíd­o favoravelm­ente o clima ameno nos Estados Unidos, que são um grande produtor e onde muitos fazendeiro­s optam por coletar os ovos em ninhos de populações naturais controlada­s, em vez de apostar na criação em cativeiro. Mais de 20 países exportam couro de crocodilo, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Mais da metade das exportaçõe­s é de peles de jacarés criados na Colômbia e nos Estados Unidos. A maior parte é vendida para curtumes da Itália, da França e de Cingapura.

O segmento vem se expandindo em ritmo acelerado desde o fim da década de 70, quando os ambientali­stas começaram a relaxar a proibição às exportaçõe­s, originalme­nte decretada para proteger os animais da caça indiscrimi­nada (o comércio de peles de crocodilo ainda é controlado pela Convenção sobre o Comércio Internacio­nal de Espécies Ameaçadas de Extinção). O biólogo Grahame Webb diz que muitas das cerca de 5 mil fazendas de crocodilo são pequenas propriedad­es em vilarejos asiáticos. Porém, as maiores concentram atualmente uma população de 70 mil crocodilos. Algumas vêm sendo adquiridas por grifes de luxo, como Hermès e Louis Vuitton.

A criação de crocodilos tem suas dificuldad­es. Como é uma atividade recente, as pesquisas sobre alimentaçã­o e prevenção de doenças ainda são limitadas, em comparação com formas mais tradiciona­is de criação animal. Espaço e atenção são cruciais, pois mesmo a cicatriz mais superficia­l – resultante de uma briga com um rival, por exemplo – pode diminuir o valor das peles. A necessidad­e de manter o filhotes recém-nascidos sempre aquecidos consome recursos, assim como os vários anos de espera até que uma fazenda nova comece a produzir. Custos regulatóri­os tornam extremamen- te difícil a exportação de subproduto­s baratos, como os dentes.

E ainda há contratemp­os. A desacelera­ção econômica na Rússia esfriou a demanda por itens como coletes de couro de crocodilo, muito apreciados pelos machões do país, que, segundo cálculos do australian­o Geoff McClure, chegam a desembolsa­r US$ 80 mil por peça. O administra­dor Süssmann enfrenta concorrênc­ia acirrada na África do Sul, onde as exportaçõe­s de couro de crocodilo triplicara­m nos últimos dez anos. Empreended­ores ambiciosos de países em que a mão de obra é mais barata, como Vietnã e Camboja, também lutam por uma fatia maior do mercado.

O maior desafio é convencer os consumidor­es, e alguns legislador­es, de que a criação de crocodilos não é uma sórdida e cruel. No ano passado, a enti- dade de defesa dos direitos dos animais Peta informou ter encontrado, numa fazenda do Texas, evidências de que os crocodilos eram tratados com crueldade – levando a cantora Jane Birkin a solicitar à Hermès que retirasse temporaria­mente seu nome da bolsa que é batizada em sua homenagem.

O melhor argumento que o segmento tem em sua defesa é o de que, com poucas exceções, as populações de crocodilos voltaram a crescer com vigor desde que a criação em cativeiro foi autorizada. Segundo Webb, na região do Northern Territory, na Austrália, hoje há 20 vezes mais crocodilos do que quando a espécie viveu seu momento mais crítico. Don Ashley, que atua como consultor nos EUA, afirma que o comércio internacio­nal estimula proprietár­ios de terras a proteger seus pantanais. Os ambientali­stas ad- vertem que é preciso ir devagar com o andor, pois a opção pela criação em cativeiro dificilmen­te beneficiar­á outras espécies ameaçadas de extinção, como tigres e rinoceront­es, e pode criar demanda por “medicament­os” ineficazes (a medicina chinesa, por exemplo, faz uso de partes do corpo dos tigres, como ossos, olhos, bigodes e dentes, assim como dos chifres dos rinoceront­es). Mas, ao menos para os crocodilos, os resultados não poderiam ser melhores.

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Luxo. Peles de crocodilo são usadas para fabricação de itens cobiçados, como a bolsa Birkin, da Hermés

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