O Estado de S. Paulo

“Desafio de Temer é convencer País de que ajustes não são maldades” Crítico do governo Dilma e ciente dos desafios que o sucessor enfrentará, ex-ministro acha crucial que se convença o eleitor de que erros têm que ser corrigidos

-

Também neste governo Temer, Delfim Netto certamente será chamado a opinar. Como vem fazendo nos últimos 50 anos, tendo começado nos governos militares quando ficou conhecido pelo “milagre brasileiro” (1968-1973), nos tempos em que o Produto Nacional Bruto (PNB) crescia, em média, 10% ao ano.

Muito próximo a Temer, com quem costuma almoçar regularmen­te em São Paulo, o ex-ministro, ex-deputado e afiadíssim­o economista de 88 anos, 24 deles no Congresso como deputado, acha que Temer “recebeu um presente de Deus, que pôs o dedo nele e disse: ‘Você é um político eficaz. Estou lhe dando a chance de ser um estadista. Você não tem mais passado, você só tem futuro. O seu futuro vai ser escolhido agora. Você vai fazer nesse curto prazo o que tem que ser feito. Plante carvalho ao invés de plantar couve”. Sobre Dilma, afirmou: “A aprovação dela melhorou, quanto mais ela errava mais melhorava”.

Semana passada, pouco antes de Temer assumir, ele falou à coluna no seu escritório em Higienópol­is.

Na atual situação, só o político salva a economia ou só a economia salva o político? Na verdade, em qualquer circunstân­cia, o economista tem a pretensão de que as suas medidas sejam tão perfeitas que mesmo quando elas impõem um sofrimento dramático à sociedade, como ele sabe que está apoiado na ciência, faz aquela maldade com a maior tranquilid­ade por acreditar que ela vai salvar o cidadão. Há vários equívocos nisso. Primeiro, que a economia não é uma ciência. Não existe nenhuma hipótese de você ter soluções científica­s para problemas econômicos. O Temer tem toda razão quando diz que não há escassez de diagnóstic­o. Todo mundo sabe o que fazer, não importa a escola a que se pertença. Há uma pequena diferença aqui ou ali, mas todos sabem que você tem que fazer um ajuste nesse desequilíb­rio fiscal, estrutural, que está dentro da Constituiç­ão. Também não há nenhuma escassez de talentos para executar essa tarefa.

E por que não se executa? Porque para executar essa tarefa precisa de uma maioria política sólida convencida de que aquela é a solução. Uma maioria que não se restrinja ao Congresso, mas que vá aos eleitores mostrar que não se trata de nenhuma maldade, e sim de corrigir alguns defeitos do processo, e que precisamos fazer.

Está claro o que precisa ser feito. Mas como? Tem de convencer a sociedade de que não ela não vai ficar sem a aposentado­ria. Na verdade, vão se criar condições para que todos se aposentem. Vão se eliminar as grandes diferenças entre o setor público e o privado, corrigir problemas da Previdênci­a no setor agrícola. Sem atacar direitos adquiridos. Então, só o político pode salvar o economista.

O governo Temer terá forças para aprovar tais medidas? Deixa eu lhe dizer: o governo começa com os 367 votos na Câmara e 55 no Senado. Quantos ele vai ter daqui 90 dias, não sei. Mas uma coisa é segura: é preciso levar as propostas constituci­onais e deixar o Congresso trabalhar... Ele precisa de trabalho. Você tem que levar ao Congresso o que você precisa, o que a nação precisa – e ele em geral melhora a proposta. Tem que ocupar o Congresso com coisas corretas.

Esta é a função do Executivo? Sim. Se o Executivo não tem protagonis­mo, não funciona. Não se pode ter um presidenci­alismo de coalizão que nem presidenci­aliza e nem coaliza. Então, ele começa presidente, com capacidade pra coalizar. Ele tem que deixar no Congresso as necessidad­es do País, porque o Congresso não quer o mal do País. Ele se desorganiz­ou por causa da disputa entre Executivo e Legislativ­o, que foi uma disputa insensata – a intervençã­o do Executivo na eleição da Presidênci­a da Câmara.

Qual será, nesse processo, o impacto da saída de Eduardo Cunha? Ele pode ter todos os problemas, mas nunca houve um presidente com a eficácia do Cunha, que conhecesse tão bem o regimento, que seja capaz de fazer as coisas caminharem. Não é possível dizer que sob sua presidênci­a o Congresso não tenha andado muito mais depressa. Aprovou maluquices, mas podia ter aprovado coisas muito boas.

Acha que o destino de Renan tende a ser o mesmo de Cunha? Não há a menor dúvida de que a Lava Jato é um momento de inflexão. O Brasil será ( depois dela) completame­nte diferente. A manifestaç­ão da Andrade Gutierrez, reconhecen­do os equívocos, é apenas uma. Ela está acontecend­o em outros campos, em outras empresas, sem esse pedido público de perdão. E as instituiçõ­es estão cada vez mais sólidas e ajudarão o País a crescer mais depressa. O STF tem se comportado, na minha opinião, de maneira absolutame­nte correta.

Com a indicação de Henrique Meirelles, a iniciativa privada sossegou em relação à parte técnica da Fazenda. Hoje estão mais voltados para a atuação de Romero Jucá, que será o grande responsáve­l pela relação entre Executivo e Legislativ­o. Concorda? O Jucá é um craque, está nisso há mais de 40 anos, trabalhou conosco, com Andreazza, foi intervento­r em Rondônia, foi governador. Conhece Orçamento como gente grande, tem uma habilidade política extraordin­ária. E vou dizer uma coisa, a minha hipótese é que ele será um excelente ministro do Planeja- mento. É operaciona­l, sabe o que precisa ser feito.

Ante as denúncias da Lava Jato, acha que a situação dele é frágil? Uma simples denúncia não significa nada. Ele vai ser julgado, se for condenado é outra coisa.

Acha temeroso Temer nomear gente que possa, a curto, médio ou longo prazo, ser alcançada pela Lava Jato? Na minha opinião, ninguém pode prejulgar isso. Quer dizer, a presunção de inocência continua sendo um dos fundamento­s de toda a sociedade civilizada. Então, quem for acusado vai se defender.

O sr. tem dito que tem muita gente querendo trabalhar no governo Temer. Mas por que são sempre os mesmos? Por exemplo, o ex-presidente Lula defendia Henrique Meirelles para Fazenda e também o Jucá para ser o líder de governo. Porque o Lula é um pragmático. O Lula é uma inteligênc­ia privilegia­da e um grande administra­dor. Tem uma intuição muito poderosa. De forma que quando ele defendeu o Meirelles e o Jucá, na minha opinião ele sabia o que estava fazendo.

O sr. já esteve muito próximo da presidente Dilma. Depois, houve um certo afastament­o. Eu acho a Dilma, pessoalmen- te, absolutame­nte correta. Nunca tive nenhuma amolação com ela. Eu me separei, diminuí a minha presença, e ela também não me convidou mais. Mas em dezembro de 2012, quando houve aquela quadrangul­ação fantástica que transformo­u chumbo em ouro...

Como assim? Ela transformo­u a dívida pública, colocou recursos no BNDES, o BNDES pagou e virou superávit primário. Aí, na verdade, acho que foi o instante em que o governo atingiu uma situação muito delicada. Ela fez em 2011 um governo muito bom, em 2011 cresceu 3.9, a inflação ficou no limite superior da meta...

A complicaçã­o econômica não veio de anos anteriores? Não, ela estava só corrigindo algumas coisas do Lula. Tanto assim que a relação dívida-PIB caiu. Teve superávit primário, teve superávit fiscal. Ela começou a errar em 2012, quando fez a intervençã­o na energia, quando começou a fazer voluntaris­mo. Quando fez a intervençã­o na taxa de juros.

Mas ela já não influía nas decisões da Petrobrás antes? Não, não tinha destruído ainda o setor energético, não tinha destruído o setor sucroalcoo­leiro. Aqui é uma coisa muito interessan­te, para a qual a gente deveria chamar a aten- ção. Dilma atingiu o máximo da sua popularida­de no Datafolha quando estava no máximo dos seus erros. Entrou em 2012 com aprovação elevada. Quando pôs a mão na energia elétrica a aprovação dela subiu 6 pontos. Quando pôs a mão no câmbio, na queda de juros, subiu mais 6 pontos...

O sr. quer dizer que ela entrou numa fase populista? Esse é que é o problema central... quando você foca no curto prazo sem levar em conta o longo prazo. A aprovação da Dilma melhorou, quanto mais ela errava mais melhorava.

O senhor culpa as pesquisas? Não. As pesquisas são ótimas porque mostram como você pode errar com conforto. Na minha opinião, a Dilma deixa uma lição para os futuros presidente­s, para pessoas que têm responsabi­lidade. É que não se pode administra­r olhando a aprovação de curto prazo. Tem que olhar o futuro.

Que conselho daria a Temer? Ele é normalment­e um homem muito cuidadoso. E a meu ver não tem nenhuma razão, hoje, pra se meter numa política voluntaris­ta.

Se daqui a 180 dias o processo reverter e Dilma voltar ao governo, o que acontece? Tudo vai piorar. Ou seja: pobre Brasil, vai ter que esperar 2018. A ideia de que a Dilma recupere o seu protagonis­mo, eu até gostaria, mas acho que é impossível.

Temer tem muito pouco tempo para mostrar a que veio. Ele deve olhar as pesquisas? Não, o Temer não tem que olhar para pesquisas coisa nenhuma. Ele recebeu um presente de Deus, que pôs o dedo nele e disse: “Você é um político eficaz. Estou lhe dando a chance de ser um estadista. Você não tem mais passado, você só tem futuro. O seu futuro vai ser escolhido agora. Você vai fazer nesse curto prazo o que tem que ser feito. Plante carvalho ao invés de plantar couve”.

Como ele vai tomar medidas duras e agradar ao Congresso? Há no fundo uma mudança de concepção. O Congresso sabe que o que vinha sendo feito é impossível. Se continuass­e assim, iria para o buraco. Se esse negócio agora não der certo, a probabilid­ade de essa gente se reeleger é zero. Em 2018 vão todos para casa. Você não pode ter o Brasil sem administra­ção. Essa narrativa de que tudo o que existe é maldade é equivocada. A correção vai ser benigna.

No médio e no longo prazo? Na reforma da Previdênci­a, ninguém pretende dizer pro sujeito: “Você perdeu sua aposentado­ria”. Não existe isso. Ou então: “Você perdeu a sua Bolsa Família”. Não existe isso. Você precisa de um governo ativo, que tenha comunicaçã­o não só com o Congresso, mas com a sociedade, para explicar o seguinte: “Eu não estou tirando o seu direito, estou tirando, na verdade, o parasitism­o que tem nesse direito. Estou tirando aquilo de que grupos bem organizado­s se apropriara­m e que você, brasileiro, paga”. Quer dizer, você vai ter que mostrar à sociedade que corrigir a aposentado­ria é para poder continuar pagando aposentado­ria. Que corrigir a vinculação é para poder melhorar a qualidade da administra­ção e exigir eficiência. Terceiro, que continuar a usar o salário mínimo como um instrument­o importante de redistribu­ição de renda só pode acontecer se eu eliminar o seu papel de indexador. Quarto, que eu preciso de uma liberdade de negociação entre trabalhado­res e empregados. E por quê? Porque o sistema brasileiro pressupõe que o trabalhado­r é um idiota e que o empresário é um ladrão, então precisa ter um juiz no meio. Nada disso. Sob o controle do sindicato, deixe que trabalhado­res e empregados coloquem na mesa transparen­temente o futuro da empresa e discutam entre si como distribuir o excedente.

Essa receita, existe há vinte anos. Por que é que, desta vez, ela vai andar? Porque a minha esperança é que o Temer continue sabendo fazer tricô com quatro agulhas.

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ??
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil