O Estado de S. Paulo

O lado alegre e enigmático de Janis Joplin

Produção de Amy Berg, da série ‘American Masters’, é elegante com a turbulenta trajetória da cantora norte-americana

- Robert Lloyd

A documentar­ista Amy Berg ( A Oeste de Memphis, Prophets of Prey) fez um filme elegante, carinhoso e, sob vários aspectos, notavelmen­te alegre sobre Janis Joplin – cantora de blues, ícone do rock e um enigma feminista. Janis: Little Girl Blue, uma produção de 2015, chegou à televisão norte-americana na última semana pela série da PBS American Masters. Com justiça.

Chamar de alegre o filme de Amy Berg não significa que ele mostre como rósea uma vida às vezes conturbada. Mas, se a Janis do filme pode ser triste, carente, bêbada, drogada, ela é também ponderada, ambiciosa, dura, vivaz, contente, vulnerável no bom e no mau sentido, esperanços­a e talentosa, amaldiçoad­a e abençoada para seguir o próprio caminho. “Não conseguia se imaginar igual a todo mundo”, lembra uma amiga de infância.

Pouco antes da dose de heroína que a matou, em 1970, Janis estava numa boa fase, criativa e profission­al, terminando seu quarto álbum, Pearl. Mas a artista sempre andou muito perto da tragédia.

Pode-se dizer que Janis foi (para os mais jovens e os que não a conhecem) a Amy Winehouse de sua geração: uma cantora branca de música negra, estilo exuberante e morta aos 27 anos, que deixou uma obra reconhecív­el pela excelência e por um potencial incalculáv­el.

Uma vez, numa entrevista, Ja- nis disse que Billie Holiday e Aretha Franklin eram “tão sutis que podem saciar a fome de alguém com duas notas, resumir o universo em duas palavras”. E completou: “Ainda não consegui isso; tudo que tenho agora é minha força. Mas, quem sabe, se continuar cantando, talvez chegue lá”.

Havia outras mulheres no rock quando Janis, saindo de Port Arthur, Texas, juntou-se à Big Brother & the Holding Com- pany em São Francisco, em 1966. Mas elas ainda não tinham o status de uma Carrie Brownstein ou mesmo de uma Belinda Carlisle. Era mais provável a mulher ser uma cantora como Janis ou Grace Slick, do Jefferson Airplane – rival de Janis –, segurando um microfone e apoiada por homens (havia principalm­ente homens no palco do Monterey Pop, onde Janis agarrou a oportunida­de pelo pescoço e submeteu-a a sua vontade). Fora do palco, na comunidade hippie, os homens também usufruíam de um confortáve­l espaço.

Embora situando Janis em seu tempo, Amy Berg não idealiza, demoniza ou mesmo tenta explicar essa época. Para um filme sobre os anos 1960, o documentár­io surpreende por não ser nostálgico ou tribal. Coube principalm­ente à própria Janis – em cartas lidas com a dose certa de apelo, perspicáci­a e fan- farronice por Chan Marshall, a artista também conhecida como Cat Power – descrever esse cenário e o avanço da cantora através dele.

“Andei observando”, diz ela em carta à família, “e notei que, depois de se chegar a um certo nível de talento, o fator decisivo passa a ser a ambição, ou, como vejo, quanto você realmente precisa ser amado, orgulhar-se de si mesmo.”

Sua busca por sucesso e amor – sinta-se livre para ver isso como resultado de um antigo ostracismo social ou de uma pobre imagem corporal – levou-a a entrar e sair de bandas e de relacionam­entos com boas e más companhias. A grande descoberta de Amy Berg, se essa for a palavra, foi David Niehaus, que encontrou Janis Joplin numa praia do Rio de Janeiro. Ela estava sozinha, algo hoje impossível com a onipresenç­a da mídia. Niehaus ajudou-a a sair por um tempo da heroína e se tornou seu companheir­o de viagem e namorado.

Vemos Janis no estúdio e, claro, no palco, vivendo o momento, sobrancelh­as cerradas, olhos azuis. Grisalhos parceiros de bandas, amigos, amantes, surgem com suas reminiscên­cias, tentando esboçar como seria um futuro que a própria Janis apenas imaginou.

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DIVULGAÇÃO Rock. Antes de morrer, aos 27, cantora estava em boa fase

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