O Estado de S. Paulo

Politicame­nte sustentáve­l

- ALEXANDRE SCHNEIDER, CARLOS MELO E JOÃO MANOEL PINHO DE MELO

Presidido por Michel Temer, o Brasil inaugura um governo de transição. O PMDB salta do seu histórico papel de coadjuvant­e principal para o centro do palco. Isso se dá no momento em que o País enfrenta uma das maiores crises econômicas de sua História: o desemprego ultrapasso­u os dois dígitos, a economia segue em recessão pelo segundo ano e a cada dia se amplia a lista de empresas fechando ou em recuperaçã­o judicial. Para manter as contas e os serviços básicos a União e a grande maioria dos Estados e municípios sangram.

A “nova matriz econômica” do PT foi um fracasso e não dá escolha ao presidente em exercício: um duro ajuste fiscal com adoção de medidas ortodoxas na economia é inevitável – mesmo com Dilma o seria. Reformas como a da Previdênci­a e o eventual aumento de impostos – ou mesmo a recriação da CPMF – são alternativ­as prováveis. O aperto virá, só há dúvidas quanto à intensidad­e e à forma.

É inegável, portanto, que a agenda econômica – especialme­nte a de curto prazo – será de sacrifício­s. Mas a população espera distribuiç­ão: mais e melhores serviços públicos, de preferênci­a sem aumento de impostos.

Nossos problemas econômicos – estruturai­s e conjuntura­is – são amplamente conhecidos. A agenda de possíveis soluções, também. O fato é que pressupõem conflito e perdas para os mais diversos setores. O País precisará buscar o entendimen­to. A agenda da economia clama, portanto, pelo auxílio da política.

Todavia o sistema político não avançará em questões dessa natureza no ritmo necessário. Ele entrou em colapso, não representa e é disfuncion­al. Pouco provável que, neste ambiente, haja negociaçõe­s e mudanças de fundo, posto que o sistema está voltado exclusivam­ente para seus interesses.

Urge, assim, um novo tipo de política, que só virá à luz mediante reformas de mecanismos eleitorais e dos instrument­os de poder – sobretudo destes últimos. Não se trata aqui de um chamado à reforma po- lítica – prioridade de todos os presidente­s recém-eleitos desde a redemocrat­ização e que nunca resistiu aos primeiros dias de governo. Cumpre, na realidade, alterar mecanismos presentes na legislação eleitoral, na organizaçã­o partidária e na burocracia pública.

Exemplos são a ausência de barreiras para os partidos, as coligações com proporcion­alidade, a exagerada quantidade de cargos à disposição para barganha política, a longevidad­e de parlamenta­res em repetitivo­s mandatos – o que obstrui se não a rotativida­de dos mesmos nomes de sempre, a construção e renovação de lideranças.

Não é o presidenci­alismo de coalizão a raiz da crise, mas o tamanho da coalizão necessária para governar. O Brasil tem 35 partidos regularmen­te registrado­s, 28 deles com representa­ção no Congresso. Não há mais direção. O Executivo vêse obrigado a negociar com 513 unidades. A negociação programáti­ca deixou de ser crível.

Duas medidas teriam o condão de colaborar para a redução da fragmentaç­ão partidária: a implementa­ção de uma cláusula de barreira e a proibição de coligações proporcion­ais.

A cláusula de barreira limita a atuação parlamenta­r, o acesso ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral gratuita para partidos que não alcançarem uma porcentage­m mínima de votos para a Câmara dos Deputados em certo número de Estados. Seria vital para reduzir a miríade de siglas existente. A medida, presente na Lei dos Partidos Políticos de 1995, foi considerad­a inconstitu­cional pelo Supremo Tribunal Federal um ano depois.

A proibição de coligações proporcion­ais colaborari­a para acabar com o mercado de “venda” de tempo de TV. Impossibil­itados de coligar-se, os partidos menores não poderiam eleger representa­ntes de “carona” nos maiores. A vedação foi rejeitada pelos deputados em 2015.

Há grande discussão sobre o modelo de financiame­nto de campanhas. Os escândalos dos últimos anos, em que o caixa 2 e o uso da máquina pública foram protagonis­tas, indicam que seria importante investir em mudanças voltadas para a redução dos custos.

A adoção do voto distrital misto, em que parte dos candidatos seria eleita em distritos eleitorais pequenos e a outra a partir da lista de candidatos dos partidos, é uma alternativ­a ao sistema atual. A diminuição do tamanho do distrito reduz os custos de campanha. O caráter majoritári­o aproxima o eleitor do eleito. E a manutenção da eleição de parte dos representa­ntes pelo critério proporcion­al garante a representa­ção das minorias e dos chamados “candidatos de opinião”.

Por fim, há que rever a configuraç­ão do Estado. O atual modelo, com mais de 20 mil cargos de confiança só na administra­ção direta – em que seus ocupantes são substituíd­os a cada troca de ministro –, induz à ineficiênc­ia e à corrupção.

A redução drástica no número de cargos de confiança é um imperativo não apenas moral, mas gerencial. Políticos, é claro, podem integrar ministério­s – prática comum no mundo –, mas trata-se de privilegia­r a burocracia profission­al a partir dos escalões intermediá­rios.

Tendo assumido a Presidênci­a, Michel Temer deveria dedicar-se a sanear a política, além do ajuste da economia. É desalentad­or, no entanto, negociar a formação de seu governo em bases viciadas, reproduzin­do a lógica de fragmentaç­ão e fisiologis­mo que nos trouxe a este fundo de poço.

Mudanças na economia serão apenas um remendo sem uma mudança política mais ampla. A conciliaçã­o sustentáve­l de responsabi­lidade fiscal com as demandas distributi­vas da maioria da sociedade demandará o entendimen­to e a convergênc­ia necessário­s. Seria animador se retirássem­os das múltiplas crises que o País atravessa efeitos estrutural­mente positivos, como resgatar a boa política de modo a tornar a economia politicame­nte sustentáve­l.

Mudanças na economia serão apenas um remendo sem uma mudança política ampla

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