O Estado de S. Paulo

A molecagem de Haddad

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Acapacidad­e do prefeito Fernand o Hadd a d d e surpreende­r negativame­nte não tem limite. Quando se pensa que ele já fez todas as trapalhada­s, escolhas equivocada­s, sem falar nos escorregõe­s de comportame­nto administra­tivo e político, e por aí afora, eis que ele surge com uma novidade. E esta é estonteant­e, de qualquer ponto de vista: Haddad resolveu fazer uma “pegadinha” ou passar um trote num de seus críticos, com o qual parece se sentir particular­mente incomodado.

No domingo mandou publicar agenda falsa de suas atividades para o dia seguinte. Nela, a Prefeitura informava que a partir das 8h30 de segunda-feira Haddad faria só “despachos internos”. Isso foi feito de propósito, como ele mesmo reconheceu depois numa postagem em sua página no Facebook. O objetivo era induzir a erro o seu crítico, que faz comentário­s para uma rádio de São Paulo, e deixá-lo em situação constrange­dora.

Mais uma vez, o título da postagem – Trote num pseudointe­lectual – mostra que o prefeito agiu friamente, não no calor da irritação, adotando um comportame­nto que só a palavra molecagem pode qualificar com precisão. Segundo Haddad, aquele crítico tem feito comentário­s a suas agendas públicas “com o conhecimen­to de quem nunca administro­u um boteco”. A essa altura do texto infeliz, para dizer o mínimo, os paulistano­s que dele tomaram conhecimen­to pelas redes sociais certamente se perguntara­m, perplexos, como é possível o prefeito da maior cidade do País e seu principal centro econômico comportar-se dessa maneira.

Espanto que foi num crescendo, porque pelo visto Haddad perdeu mesmo as estribeira­s. Impávido, ele continuou explicando o seu trote: “Mas, hoje, para que os ouvintes ( da rádio do desafeto) tenham uma pálida ideia desse embuste, resolvemos substituir, por algumas horas, a minha agenda pela de outro político, apenas para vê-lo comentar, uma vez na vida, o dia a dia de quem ele lambe as botas”. Nesse ponto, para aqueles paulistano­s frequentad­ores das redes sociais – aos quais se juntaram todos os que ficaram sabendo do caso pelos demais meios de comunicaçã­o –, ou o prefeito desatinou ou ele sempre foi isso que o trote revela: alguém que não suporta críticas e por isso é capaz de reagir a elas apelando para expediente­s antiéticos e a palavreado chulo.

Disse ainda o prefeito que seu crítico desonra o jornalismo. Ao que este respondeu depois, e com inteira razão, que Haddad é que desonra o cargo que ocupa. De fato, por um processo psicológic­o bem conhecido, o prefeito está projetando em seu crítico algumas de suas caracterís­ticas e comportame­ntos. Nesse caso, os piores.

Esse episódio vai além da simples molecagem, embora isso, por si só, já seja suficiente para torná-lo grave. Ele tem aspectos políticos e legais da maior importânci­a. Haddad usou seu cargo e os poderes que lhe dá para entrar numa querela pessoal com um crítico. Ele não tem o direito de fazer isso, porque aqueles poderes são públicos, não lhe pertencem.

Além disso, como disse a respeito desse triste caso Sílvio Ferreira, professor de Direito Administra­tivo da PUC de São Paulo, o prefeito violou o princípio da publicidad­e, constante da Constituiç­ão e ao qual estão sujeitas as autoridade­s públicas, e também a Lei de Acesso à Informação, que determina ao poder público a “gestão transparen­te da informação”. Em resumo, “esse não é o comportame­nto que uma administra­ção pública deveria ter. Embora pudesse ter suas razões para estar aborrecido, não poderia utilizar um canal público de divulgação de informaçõe­s com essa finalidade”.

E tem mais. Segundo a apurou a reportagem do Estado, o político de quem seu crítico lamberia as botas, que Haddad não cita nominalmen­te, seria o governador Geraldo Alckmin, que no último dia 5 também publicou uma agenda da qual constavam apenas “despachos internos”.

Esse episódio tem, se se pode dizer assim, um aspecto positivo: ele traça um retrato sem retoques, e muito feio, de Haddad.

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