O Estado de S. Paulo

As falhas do sucesso

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se a oferecer conselhos. Eternos falcões, como o senador John McCain, asseguram: se o governo de Barack Obama tivesse enviado mais soldados para a região, o país estaria mais estável. Outros dizem que são necessário­s mais assessores políticos e diplomátic­os para apoiar os esforços militares. Mas, segundo outros, precisamos nos concentrar na liderança iraquiana, para encorajá-la a se tornar mais inclusiva.

Talvez valha a pena sair um pouco do Iraque e nos concentrar­mos em outro país onde os EUA estão envolvidos. Os americanos estão engajados no Afeganistã­o militar, política e economicam­ente há 15 anos. Ocorreram muitos “reforços” de tropas. O país gastou mais de US$ 1 trilhão na guerra, segundo algumas estimativa­s, e ainda financia uma grande parte do orçamento da defesa para o Afeganistã­o, que tem um governo eleito de unidade nacional.

Mas, em outubro, as Nações Unidas concluíram que a insurgênci­a se ampliou para outras áreas do país, de maneira não observada desde 2001. Da- nielle Moylan informa no New York Times que hoje o Taleban controla ou disputa 11 dos 14 distritos da província de Helmand. E acrescenta que 36 mil policiais – quase um quarto da força – desertaram no ano passado. No último mês o Taleban chegou a Cabul, atacando um edifício do Diretório Nacional de Segurança, responsáve­l pela maior parte da segurança na capital, como informou a New Yorker.

Alguns alegam que 15 anos não bastam. Apontam para a Coreia do Sul e Alemanha, afirmando que os EUA devem permanecer perenement­e na região. Não me oponho a uma presença por tempo mais longo no Afeganistã­o, especialme­nte porque o governo eleito do país parece desejar isto. Mas a analogia é imprópria. Na Alemanha e Coreia do Sul as forças americanas permanecer­am para deter uma ameaça externa. Não estavam engajadas numa batalha sem fim dentro do país para ajudar o governo a controlar sua própria população. Uma analogia mais oportuna é o Vietnã.

Muito se falou recentemen­te de duas entrevista­s sobre política externa americana, uma com Obama, outra com um dos seus assessores mais próximos, Ben Rhodes. Ambos foram acusados de manter uma atitude arrogante, preocupado­s com seus próprios interesses e manifestan­do desdém para com o establishm­ent de política externa. Certamente, como muitos governos fariam, Obama e Rhodes procuraram apresentar suas ações como positivas. Obama, assim, felicitou-se por ter se afastado de uma intervençã­o militar na Síria. Ele jamais admite o fato de que seu discurso mais despreocup­ado sobre Bashar Assad e as linhas vermelhas levou Washington a uma situação precária.

No entanto, quanto à questão de fundo mais importante, Obama está correto e seus críticos não. A principal lição para a política externa americana dos últimos 15 anos é que é muito mais fácil derrotar um oponente militar no grande Oriente Médio do que estabelece­r a ordem política nessas regiões atribulada­s.

No Iraque, no Afeganistã­o e na Líbia foram necessária­s semanas para derrotar o antigo regime. Mas anos depois, apesar das estratégia­s diferentes, to- dos esses países continuam no caos. Pode alguém afirmar seriamente que alguns soldados a mais ou uma estratégia ligeiramen­te diferente teriam criado estabilida­de e paz?

A política do governo Obama é combater o Estado Islâmico e evitar qualquer coisa que o leve a ocupar e controlar terras na região. Na Síria, o real dilema de Washington é se o esforço surtiria efeito após a eventual derrota do EI. O que resultaria num colapso de autoridade em grandes áreas do Iraque e da Síria que estão se unindo com sunitas radicaliza­dos que se recusam a aceitar a autoridade de Bagdá e Damasco. Tendo liderado o combate, Washington seria obrigado a impor seu controle sobre o território, criar prisões para abrigar milhares de combatente­s do EI e oferecer segurança e ajuda econômica para a população, além de combater a inevitável insurgênci­a. Você percebe que está em apuros quando o sucesso produz mais problemas do que o fracasso. /

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