O Estado de S. Paulo

‘Fusão de ministério foi retrocesso’, afirma cientista

Presidente da ABC critica unificação de Ciência e Comunicaçõ­es e teme perda de recursos para pesquisa

- Fábio de Castro

Novo presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico carioca Luiz Davidovich tomou posse do cargo no dia 4 deste mês. Oito dias depois, o governo federal anunciou a fusão entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o das Comunicaçõ­es. A ABC e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançaram imediatame­nte um manifesto contra a fusão. Segundo Davidovich, que é professor da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a medida é um retrocesso. Para o cientista, priorizar a ciência é fundamenta­l para que o País contorne a crise econômica.

Qual sua opinião sobre a fusão dos ministério­s? Consideram­os que foi um retrocesso. A medida ameaça colocar a ciência em segundo plano, distancian­do-a dos mais altos escalões do poder. Em sua jornada de 30 anos, o MCTI motivou a criação de Funda-

ções de Amparo à Pesquisa e de Secretaria­s de Ciência em todos os Estados. Graças a isso, criou-se por todo o País uma rede de financiame­nto à ciência. O ministério também coordenou 20 institutos nacionais que atuam em áreas indis- pensáveis e estratégic­as. Ele coordenou atividades fundamenta­is para o Brasil.

Sem ministério, investimen­tos na área podem ser reduzidos? Já estavam sendo reduzidos drasticame­nte. Tivemos uma fase excelente na primeira década do século, até 2010. Mas depois disso houve cortes extremamen­te prejudicia­is. No último ano, até mesmo os recursos para bolsas no Brasil e no exterior foram cortados.

Como isso prejudica o País? Prejudica a longo prazo, porque tem impacto na formação. São os jovens cientistas que no futuro poderão combater epidemias como a de zika, inovar na tecnologia e agregar valor a produtos. O Brasil não se interessa por ciência e tecnologia, e isso é preocupant­e. O governo tem papel central no estímulo a esse interesse. Precisa mostrar que é uma área prioritári­a, que vamos investir em jovens brilhantes, porque o Brasil precisa deles.

Essa desvaloriz­ação da ciência faz o setor ser um dos primeiros a sofrer cortes na crise? No Brasil, sim, porque se considera que são cortes de gastos. Mas na realidade é o contrário e outros países sabem disso. Em março, o primeiro-minis- tro da China, Li Keqiang, anunciou que o cresciment­o do país seria desacelera­do. Na mesma conferênci­a, informou que os investimen­tos em Ciência e Tecnologia seriam incentivad­os para fazer frente à crise. O país investirá 2,5% do PIB no s e t or , que hoj e j á r e c e be 2,05%. Quanto maior a crise, maior precisa ser o investimen­to em Ciência e Tecnologia. Caso contrário, é impossível sair do buraco. No Brasil, o porcentual é de 1,5% e não paramos de ter cortes.

Por que o Brasil não segue essa linha? Talvez por uma visão de nossos políticos extremamen­te focada no curto prazo. Mas basta olhar o avanço meteórico da pesquisa contra a zika para perceber a importânci­a de investimen­tos de longo prazo.

Ainda é muito comum entre os políticos a ideia de que certos setores não deveriam ser financiado­s por serem inúteis? Sim. E me espanta que essas pessoas em posição de liderança não percebam a importânci­a da pesquisa básica. Um exemplo é a física quântica. Quando jovens cientistas brilhantes começaram a desenvolvê-la, no início do século 20, eram movidos apenas pela paixão de descobrir como funciona a natureza. Algo aparenteme­nte “inútil”. Um século depois, a revista Scientific American publicou artigo mostrando que um terço do PIB dos Estados Unidos tem base na física quântica, que permitiu desenvolve­r transistor­es, semicondut­ores, computador­es, laser, aparelhos de ressonânci­a magnética e relógios atômicos que sincroniza­m o GPS.

Com a ciência relegada a um plano de governo menos prioritári­o pode ocorrer uma fuga de pesquisado­res brasileiro­s para instituiçõ­es no exterior? Se começar a ficar muito ruim, as pessoas vão pensar em sair para proteger suas carreiras. Nós somos críticos ferrenhos dessas políticas governamen­tais – em especial a fusão dos ministério­s. Mas também estamos abertos ao diálogo. Temos um papel de esclarecer a sociedade e os governos. Não somos uma nação de segunda classe para deixarmos de investir em ciência, deixando os avanços tecnológic­os para outros países. É preciso ter ambição. Temos de apostar na ciência, incluindo a pesquisa básica, que é a fonte de novas revoluções. Eu diria que a ciência é a nossa verdadeira ponte para o futuro.

 ?? FERNANDO LEMOS / AGENCIA O GLOBO-28/4/2016 ?? Caminho na crise. ‘A ciência é a nossa verdadeira ponte para o futuro’, diz Davidovich
FERNANDO LEMOS / AGENCIA O GLOBO-28/4/2016 Caminho na crise. ‘A ciência é a nossa verdadeira ponte para o futuro’, diz Davidovich

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