O Estado de S. Paulo

Semmedo do Brasil

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arranjos, burilações. Ficou uma coisa mais chão mesmo, dos quatro cidadãos negros do Brasil se revoltando contra os colonizado­res.”

Dori Caymmi, que está voltando ao Brasil, depois de mais de duas décadas morando nos Estados Unidos, falou com o Estado, por telefone, do Rio.

Muito complicado assinar uma parceria com um parceiro não presente, como Mário Lago? Foi uma honra ser solicitado pela família de Mário. Sou dividido em três partes: carioca, mineiro e baiano, e não havia estudado essa Revolta dos Alfaiates ( um dos nomes da Conjuração Baiana). Ninguém estudou. Eu gostaria muito que esse trabalho fosse encenado.

Você ainda mora na Califórnia? Sim, há 23 anos. Mas estou querendo voltar, ainda este ano.

E por quê? Ficou inviável. Eu tenho que sustentar minha casa em dólar, ganhando em real. Assim, fico mais quebrado do que o Brasil. Eu só trabalho no Brasil, ganho em real. No ano passado, fiz apenas dois shows nos EUA. Este ano fiz um só, em um clube em Nova York. Com a morte dos meus pais, em 2008, eu perdi aquela vontade de sentar, pegar o violão e fazer uma música. A perda é algo pavoroso. Eu não conseguia sair dessa encruzilha­da, até começar novamente a criar com o Paulo César Pinheiro.

Mas voltar justamente agora, Dori. O Brasil não desanima? Não desanima, mas entristece. Fui criado no meio de brasileiro­s tão lindos, tão criativos. E nem estou falando do meu pai, mas de Jorge Amado, Di Cavalcanti, Caribé, Nelson Rodrigues, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto... Passar por essa gente e ver essas pessoas de hoje é triste.

E de onde sai sua vontade, aos 72 anos de idade? Eu estou com muita vontade de jogar bola, vou até os 90. Agora mesmo tenho outro disco novo, na fábrica, de letras musicadas, violão e voz. Tenho redescober­to essa coisa do meu pai, do violão e da voz. Nana sempre gravou sambacançã­o do Dorival. Danilo é bom nos sambas dele. E eu sou encantado pelas canções praieiras. Nana não teve oportunida­de de cantar esse repertório porque papai a censurava, não sei porquê.

Nana diz que você foi a pessoas que a acolheu... Ela sofreu. Papai tinha um lado muito machista, preferia que ninguém fosse artista em casa. Quando ela voltou da Venezuela e se separou, meus pais acharam um absurdo. Para ela, foi um sofrimento muito grande. Nelson Motta queria a Elis Regina cantando Saveiros ( de Dori e Motta) e eu queria a Nana. E eu ganhei. Mas ela sofreu, eu coloquei o tom muito alto e ela teve de esganiçar muito. Nana é a minha cantora favorita. Minhas quatro favoritas são Nana, Bethânia, Elis e Clara Nunes. A Gal tem um estilo um pouco mais afetado, mas esse outro pessoal vem com o útero nas mãos. Sobretudo a Nana e a Bethânia.

Você e Nana parecem não ter medo de falar o que pensam, algo que as pessoas evitam cada vez mais. Chega a um ponto em que o politicame­nte correto leva você a uma série de mentiras. Eu fico Suassuna da vida. E não podemos também pegar um sujeito da importânci­a de Chico Buarque e esculhamba­r um cara desses porque ele está em uma outra posição política. Isso não existe. Chico é um dos maiores artistas que já existiram, um compositor... meu Deus do céu.

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FÁBIO MOTTA/ESTADÃO Confissão. ‘Quando vejo que há três, quatro, cinco pessoas interessad­as no meu trabalho, fico muito feliz’

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