O Estado de S. Paulo

Protestono­tapete vermelho

Em Cannes, equipe do filme brasileiro ‘Aquarius’, incluindo a atriz Sonia Braga, carrega cartazes em manifestaç­ão contra o impeachmen­t

-

amigos e colaborado­res para avaliar o projeto. Surgiu a pergunta que não queria calar. Quem vai fazer Clara? Um amigo sugeriu na lata – Sonia Braga. “Sonia Braga”, concordou o diretor.

Ela topou e na terça, pela sexta vez, pisou no tapete vermelho de Cannes. Sonia já esteve aqui com Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor, O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, e Rebelião em Milagro, de Robert Redford. “Voltei depois como jurada e quando Mulher Aranha passou em Cannes Classics. Sou a única atriz que se tornou clássica em Cannes, mostrando o mesmo filme duas vezes”, brinca a atriz.

Se os aplausos servem como termômetro, Aquarius tem toda chance de integrar a premiação, que o júri presidido pelo cineasta George Miller, da série Mad Max, anuncia no próximo domingo, dia 22.

Co mpa r a t i v a men t e , os aplausos para o novo Pedro Almodóvar, Julieta, foram mais protocolar­es, mas o filme é belíssimo. Do ponto de vista do público, o espanhol já ganhou. Almodóvar compete há anos pela Palma. O autor como pop star. Ele pisa no tapete vermelho e o público imenso que se reúne em frente ao Palais para ver astros e estrelas grita seu nome como se fosse Tom Cruise. A cena repetiu-se com o elenco de Julieta. Almodóvar integra novas atrizes ao seu panteão – Emma Suárez, a belíssima Julieta Ugarte. Julieta é adapta- do de histórias de Alice Munro, da coletânea Fugitives.

O curioso é que, com as diferenças que possam ter, e têm, os filmes de Almodóvar e Kleber Mendonça Filho irmanam-se na celebração das mulheres. A Julieta de Pedro passa pelo filme escrevendo uma carta para a filha, q u e s u mi u d e sua vida há mais de dez anos. Sonia Braga/Clara atravessa um período bem maior – três décadas.

Julieta quer a filha. Clara quer a casa e isso significa resistir à modernidad­e do espigão capitalist­a. Esse gesto de Clara é a oferta do diretor para quem quiser entender o Brasil. Almodóvar centra-se nas questões afetivas e fami- liares. O filme é impregnado por influência­s/referência­s do diretor britânico Alfred Hitchcock. O trem, a trilha, as relações venenosas entre mães e filhas (ou filhos, em Hitchcock). Almodóvar cria suspense. Julieta sente-se responsáve­l por duas mortes, mas, como não ocorrem assassinat­os na trama, o thriller é muito mais um melodrama subvertido pelo suspense.

Godard. Também é curioso que, num festival cujo cartaz celebra O Desprezo – o filme mais clássico de Jean-Luc Godard, sobre um velho diretor (Fritz Lang) que quer fazer uma versão da Odisseia com estátuas –, Almodóvar faça de sua protagonis­ta uma professora de literatura grega obcecada por Ulisses e seu encon- tro com a ninfa Calipso. É um momento da Odisseia em que Ulisses ameaça se perder e nunca voltar para Penélope. Clara conserva sua casa, Julieta troca a dela várias vezes, mas sempre na busca da filha. Julieta é uma particular (e feminina) versão da Odisseia. Seu tema é a culpa, e talvez o recomeço. O próprio Pedro Almodóvar veio confirmar o que se intui em seu filme – é chegado o tempo da reflexão. Julieta é um dos mais maduros (e dolorosos) do autor.

 ?? VALERY HACHE/AFP ??
VALERY HACHE/AFP
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil