O Estado de S. Paulo

A hora de Cunha se aproxima

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Nos últimos dias, surgiram vários sinais de que a longa epopeia de desfaçatez e de impunidade protagoniz­ada por Eduardo Cunha pode finalmente estar perto de seu epílogo. O aríete que começou a pôr abaixo os portões do castelo em que esse notório parlamenta­r está refugiado – e que ele considerav­a invulneráv­el – está sendo conduzido tanto pela Justiça quanto por alguns dos principais partidos da Câmara, que, mesmo sendo adversário­s entre si, encontrara­m em Cunha o inimigo comum.

No âmbito judicial, uma das novidades mais importante­s foi a decisão do juiz Sérgio Moro, tomada na quintafeir­a, de aceitar denúncia contra a mulher de Cunha, Cláudia Cordeiro Cruz, transforma­ndo-a em ré no processo em que o deputado é acusado de receber propina de um empresário português para conseguir contratos da Petrobrás na África. Cláudia teria ocultado valores em contas secretas no exterior e lavado dinheiro por meio da compra de bens de luxo e do pagamento de despesas.

A acusação contra Cláudia desmonta o argumento central da defesa de Cunha, o de que ele não tem contas no exterior – apenas um truste, sobre o qual não teria controle. “Os criminosos mais antiquados usavam laranjas e testas de ferro; criminosos modernos e mais sofisticad­os usam offshores e trustes”, explicou o procurador Deltan Dallagnol.

Tanto ou mais importante que a demolição da tese de defesa de Cunha foi o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ter liberado para julgamento uma denúncia contra Cunha, também a propósito de suas contas secretas na Suíça. A denúncia ha- via sido oferecida pela Procurador­iaGeral da República em março. Naquele mês, o Supremo transforma­ra Cunha em réu, sob acusação de receber propina em contratos de navios-sonda da Petrobrás. Nesse caso específico, o ministro Teori, em despacho no dia 7 passado, deu a Cunha cinco dias para defesa. Ao estabelece­r esse prazo, que só começa a contar a partir da notificaçã­o do réu, o Supremo reduz um pouco mais o espaço de que Cunha dispôs até agora para suas chicanas.

A zona de conforto na qual o peemedebis­ta trafegava já havia sido limitada quando o Supremo, em maio, decidiu afastá-lo da presidênci­a da Câmara – medida carregada de excepciona­lidade, mas que o tribunal considerou inevitável em razão do uso que Cunha vinha fazendo de seu cargo de presidente para se safar.

Mesmo fora da presidênci­a da Câmara, Cunha continua a manobrar pa- ra evitar sua cassação, em franco desafio ao Supremo. Como um senhor feudal, formou uma bancada de vassalos dedicada dia e noite a impedir que prospere a ação contra ele e a chantagear o governo. Mesmo sem Cunha e seus ardis, a Câmara já não seria um exemplo de retidão e de defesa dos interesses públicos; com ele, impune e desafiador, o Legislativ­o reduziu-se a pouco mais que um balcão de negócios.

Talvez seja por isso que partidos hoje rivais, como PT e PSDB, estejam se articuland­o para fazer frente à bancada arregiment­ada por Cunha e eleger um novo presidente da Câmara. Não se sabe se essa concertaçã­o, embora obviamente necessária, terá resultado, pois as diferenças entre tucanos e petistas são imensas, mas a simples disposição para conversar já dá uma ideia do desafio que Cunha representa para a política nacional.

Resta esperar que o PMDB, partido de Cunha e do presidente em exercício Michel Temer, também colabore para abreviar essa agonia. Diante das suspeitas de que o Planalto estaria interessad­o em salvar Cunha, Temer mandou dizer que seu governo “não é ação entre amigos”.

Que assim seja, pois tudo o que se deseja é que a justiça afinal se faça e que Cunha seja punido conforme a lei, sem mais delongas. Mas o País também precisa se perguntar como foi possível que um único deputado pudesse causar tantos estragos, mobilizand­o tão formidável bancada pessoal no Congresso, totalmente indiferent­e ao voto recebido de seus eleitores e devotada apenas à proteção de seu suserano. A derrota desse parlamenta­r não pode ser o fim do esforço para sanear o Legislativ­o. É preciso ir além e desmontar o sistema que permitiu que alguém tão desqualifi­cado para a vida pública pudesse amealhar tanto poder.

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