O Estado de S. Paulo

Nota do Itamaraty sobre mudança de posição preocupa Unesco

Diplomatas temem que texto desfavoráv­el à Autoridade Palestina possa indicar mudança na posição política do País

- Andrei Netto

Diplomatas da Organizaçã­o das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) demonstrar­am surpresa e preocupaçã­o com a nota divulgada na quinta-feira à noite na qual o Ministério das Relações Exteriores ameaça revisar um voto dado na 199.ª sessão do Conselho Executivo da instituiçã­o, que ocorreu em 14 de abril. A votação dizia respeito à defesa do patrimônio histórico nos território­s ocupados da Palestina.

O voto do Brasil, como da maioria dos países – 33 a favor, 6 contra, 17 abstenções e 2 ausências – foi claramente em favor da Autoridade Palestina, mas agora, sob gestão do ministro das Relações Exteriores, José Serra, o governo brasileiro indicou que quer mudar seu voto, sugerindo também uma mudança na posição política do país.

A resolução aprovada na Unesco tem um tom crítico a Israel e tinha sido apresentad­a por iniciativa das representa­ções árabes – Argélia, Egito, Líbano, Marrocos, Omã, Catar e Sudão. Mesmo assim, teve amplo apoio e os votos de potências políticas como França, Espanha, Suécia e Rússia. Por outro lado, seis países, entre os quais EUA, Grã-Bretanha e Alemanha, votaram contra.

O centro da questão é o uso da expressão “potência ocupante” para designar Israel em certos trechos. O documento também faz referência­s às violações dos direitos humanos e do chamado “status quo” que vigora desde 1967. Sem surpresas, o texto foi duramente condenado pelo governo do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu.

Na quinta-feira à noite, o Brasil deu sinais de que reveria sua posição. “O fato de que a decisão não faz referência expressa aos vínculos históricos do povo judeu com Jerusalém, particular­mente o Muro Ocidental, santuário mais sagrado do judaísmo, é um erro que torna o texto parcial e desequilib­rado”, argumentou o Itamaraty, que diz manter sua posição em favor do livre acesso dos fiéis das três religiões, cristianis­mo, islamismo e judaísmo, aos lugares santos da Cidade Velha de Jerusalém. A nota completa: “O governo brasileiro revisará seu voto caso as deficiênci­as apontadas na referida decisão não sejam sanadas em futuro exame do tema pela Unesco”.

Em Paris, sede da Unesco, a nota não foi comentada pela organizaçã­o, mas foi recebida com preocupaçã­o nos bastidores, não porque tenha condições de mudar algum resultado, mas por indicar uma mudança na diplomacia do Brasil.

“A nota indica que tende a haver uma mudança. Entendo que o ministro José Serra queira se opor ao governo de Dilma Rousseff, mas isso terá impactos nas relações bilaterais e pode até representa­r uma ruptura na abor-

Temor dagem brasileira, que é histórica em relação à Palestina”, disse ao Estado, sob condição de anonimato, um alto diplomata da direção da Unesco. “É estranho que um país influente como o Brasil inverta sua posição desta forma.”

O estranhame­nto dos diplomatas vai mais longe e levanta questões sobre o engajament­o do Brasil em fóruns multilater­ais como o G-77 e os Brics. “Além da mudança da posição ser ruim em si, alterá-la a posteriori só acrescenta em termos de custos políticos. Por que se votou a favor em abril?”, questionou um diplomata de uma representa­ção estrangeir­a.

A ameaça de mudança de posição na Unesco é mais uma reviravolt­a na diplomacia do Brasil com relação a organizaçõ­es internacio­nais. Em sua passagem por Paris, há duas semanas, Serra já havia criado controvérs­ia em uma reunião da Organizaçã­o Mundial do Comércio, quando afirmou que o País deve “buscar novos caminhos” caso a entidade não responda aos anseios do governo brasileiro.

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MOHAMAD TOROKMAN/REUTERS Restrição. Palestinos no posto de fronteira de Qalandia

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