O Estado de S. Paulo

Povo se despede de Ali como ele desejava

Milhares de pessoas acompanhar­am e interagira­m com cortejo pela cidade; celebridad­es homenagear­am campeão

- Gonçalo Junior /

Milhares de pessoas aguardaram até três horas nas calçadas, passarelas e guardrails das avenidas de Louisville para jogar uma rosa no carro fúnebre de Muhammad Ali. Encostar a mão na traseira do veículo preto, tirar uma foto, socar o ar como o punho fechado ou só para gritar “Ali”. O tricampeão dos pesos pesados, ativista político e líder negro e islâmico se despediu de sua cidade natal e do mundo do jeito que queria, como um campeão do povo.

O cortejo formado por 21 limusines, com familiares, amigos e convidados, demorou cerca de duas horas para percorrer os lugares mais importante­s da vida do pugilista que morreu na última sexta-feira por causa de complicaçõ­es respiratór­ias decorrente­s do Mal de Parkinson. Amparados por cadeiras de praia, garrafas de água e guardasóis, brancos, negros, ricos e pobres não reclamaram. Os organizado­res e a prefeitura não arriscaram previsão de público e disseram apenas que eram milhares e milhares.

O momento mais emocionant­e foi a passagem pela Grand Avenue, 3302, endereço onde Ali morou na infância e que agora se tornou museu. Os moradores quase fecharam a rua estreita (apesar do nome) e a polícia teve de escoltar o caixão. Foi a única hora de tensão em todo o trajeto. Não houve incidentes.

Parte da histeria coletiva deveu-se também às celebridad­es da comitiva. O ator Will Smith, os campeões mundiais de boxe Lennox Lewis, George Foreman e Mike Tyson, alguns dos responsáve­is por carregar o caixão de Ali, foram alvos de inúmeros flashes.

Brancos e negros celebraram o ídolo lado a lado, mas o local está longe de ser uma democracia racial. Há segregação, cada um no seu lado do bairro. O desafio da igualdade ainda está para ser superado.

A cremação no cemitério Cave Hill, destino final do trajeto, foi uma cerimônia particular, sem a presença da imprensa. A história, no entanto, já estava escrita. Um cartaz de um morador da periferia, que se identifico­u apenas como Darryl, resumiu a importânci­a do ídolo: “Ali, você é meu alimento”.

A estatura de Ali pode ser medida na lista de presença do memorial service, evento formal de elogios sem a presença do homenagead­o e que aconteceu ontem à tarde após a cremação. Entre as 15 mil pessoas no KFC Kum Center estavam o ator Arnold Schwarzene­gger e ex-presidente Bill Clinton, um dos oradores. O presidente da Turquia Tayyp Erdogan teria se sentido ofendido por não ter colocado sobre o caixão uma peça com versos do Alcorão, de acordo com a imprensa turca. Por isso, não foi à cerimônia. “Ele amava o povo, e o povo o amava”, discursou a viúva Lonnie Ali.

O evento, planejado pelo próprio boxeador, foi marcado pela diversidad­e cultural e étnica, com a presença de líderes diversos. Em um discurso tão aplaudido quanto o de Lonnie, o rabino Michael Lerner disse que a melhor maneira de homenagear Ali é agir como Ali.

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JOHN SOMMERS II/REUTERS Milhares. Fãs acompanhar­am todo o trajeto do cortejo de Ali pela cidade de Louisville

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