O Estado de S. Paulo

Revaloriza­ção do real e consequênc­ias

- ANTONIO CORREA DE LACERDA

Na recente sabatina realizada no Senado Federal que aprovou a indicação de Ilan Goldfajn para a presidênci­a do Banco Central (BC), houve ênfase na recuperaçã­o do tripé macroeconô­mico: metas de inflação, responsabi­lidade fiscal e câmbio flutuante. Não há dúvida de que o mandato em questão, de presidente do Banco Central, se refere à defesa da moeda e o discurso não surpreende, também levando em conta a formação e a atuação profission­al do indicado.

No entanto, vale destacar alguns aspectos relevantes, especialme­nte no que se refere à política cambial. É sabido que a utilização da política cambial como instrument­o de controle de inflação de curto prazo foi um recurso recorrente em praticamen­te todos os governos dos últimos 30 anos, para focarmos em um período mais recente da nossa história.

No governo Sarney (1985-1989) foi um dos elementos da implantaçã­o do Plano Cruzado; nos governos Itamar Franco/Fernando Henrique Cardoso foi adotado explicitam­ente como “âncora”, na primeira fase do Plano Real (1994-1998); durante o governo Lula (2002-2010), embora já vigesse o Regime de Metas de Inflação, que fora adotado em 1999, a valorizaçã­o artificial da moeda foi elemento fundamenta­l para o controle da inflação. J á o g o v e r n o Di l ma R o u s s e f f (2011-...), depois de ter herdado um real valorizado, fez uma tentativa de desvaloriz­ação em meados do seu primeiro mandato, no final deste, assim como no início do segundo mandato visando a estimular a indústria e as exportaçõe­s.

O apelo à valorizaçã­o artificial da moeda é grande no Brasil. A renda da exportação de commoditie­s, associada à pratica de juros reais elevados, proporcion­a um terreno fértil para isso. Os resultados de curto prazo são inegáveis, com o barateamen­to das importaçõe­s, das viagens e das compras no exterior. O problema é que esse ganho de curto prazo se esvai no médio e no longo prazos, trazendo consequênc­ias danosas para a indústria, que perde tecido, desestimul­a as exportaçõe­s de manufatura­dos e o emprego nesses setores, assim como deteriora as contas externas.

Portanto, um retorno à pratica da valorizaçã­o do real é inoportuno. A desvaloriz­ação, observada ao longo de 2015 e início de 2016, restabelec­eu as condições de competitiv­idade, o que, aliadas a outros ajustes macroeconô­micos e práticas inteligent­es de políticas de competitiv­idade (políticas industrial, comercial e de inovação), permitiria viabilizar a reindustri­alização, com todos os benefícios do processo: cresciment­o sustentado, geração de empregos, de renda e de receita tributária, além de equilíbrio intertempo­ral das contas externas.

Ajustes. Mas tudo isso não é automático nem tampouco de curto prazo. É preciso persistir nos ajustes, lembrando que uma taxa de câmbio de equilíbrio industrial é uma condição sine qua non, porém não única.

Ressalte-se, adicionalm­ente, que o cenário internacio­nal de hoje é bastante diferente do observado na primeira década dos anos 2000, em que o Brasil se aproveitou de um cresciment­o expressivo da China e do aumento dos preços.

A economia brasileira segue apresentan­do indicadore­s negativos, no que se refere ao nível de atividades e de investimen­tos. O ambiente político do País, ainda longe de uma estabiliza­ção, permanece como fator de incerteza.

As primeiras medidas do governo provisório de Michel Temer anunciadas apontam para uma guinada em vários aspectos, especialme­nte quanto ao papel do Estado, dos bancos públicos e dos programas sociais. Embora essas medidas pró-mercado encontrem receptivid­ade em alguns setores, especialme­nte no mercado financeiro, elas não garantem um ambiente favorável ao investimen­to na produção e na infraestru­tura. Para isso também contribuem não apenas aspectos regulatóri­os e de ambiente de negócios, ainda claramente desfavoráv­eis para as decisões, mas também a prática de uma taxa de juros muito acima da média internacio­nal e da rentabilid­ade esperada nessas atividades.

O ganho de curto prazo com a valorizaçã­o da moeda se esvai no médio e longo prazos

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