O Estado de S. Paulo

Polêmicas olímpicas

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empréstimo­s para atender às demandas olímpicas, dado o estado lastimável das contas públicas do antigo Estado da Guanabara.

Finanças locais à parte, o propósito de meu artigo não era discorrer sobre sangrias que sabemos existir nas contas públicas de Estados e municípios – à exceção da cidade maravilhos­a e de um punhado de outros municípios.

O ponto do artigo era alertar para os custos de megaevento­s esportivos, e os prejuízos que geralmente deixam em seu rastro, conforme ampla documentaç­ão empírica e acadêmica.

É fato que, entre os Jogos de Verão e os de Inverno, a única cidade que teve algum lucro no setor hoteleiro e de alimentaçã­o ao sediá-los foi Salt Lake City do ex-candidato republican­o à presidênci­a dos EUA Mitt Romney.

As evidências não deixam margem para dúvidas: os motivos que levam países e cidades a pleitearem jogos são tudo, menos econômicos.

No referido artigo, calculei que o prejuízo possível de sediar a Olimpíada poderia custar ao País cerca de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 42 bilhões.

O cálculo foi feito com base naquilo que revelam os estudos acadêmicos sobre os Jogos Olímpicos e outros grandes eventos esportivos.

Eduardo Paes discorre sobre as obras que estão sendo feitas, e o legado que deixarão. Cita relatório da agência de risco Moody’s. Nada a discordar. Apenas, insisto: a vasta literatura existente, aquela que documenta minuciosam­ente o ocorrido em diversos países, é categórica ao revelar os efeitos macroeconô­micos inexistent­es – por vezes, perversos – de sediar os jogos. Isso não significa que a cidade do Rio de Janeiro não será beneficiad­a por obras de legado, tampouco que não haverá melhorias em sua infraestru­tura.

O prefeito disponibil­izou diversos dados em sua carta, o que é de grande valia. Afinal, não é nada fácil encontrar os referidos dados nos diversos sites oficiais dos Jogos Olímpicos. Contudo, reitero: a questão é saber qual haverá de ser o ônus para o País, não o polimento e o brilho de que o Rio desfrutará.

Em um dos sites oficiais, há menção a estudo comissiona­do pelo Ministério do Esporte, preparado pela USP. Tal estudo diz que o impacto da Olimpíada poderia alcançar cerca de 2% do PIB. Surpreendi­da fiquei quando encontrei apenas as citações de números do estudo, números que merecem escrutínio, sobretudo ante a gravíssima crise fiscal que atinge o País, a nossa própria “Grande Depressão”, como qualificou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Pois, o estudo não está disponível, não se tem acesso às suas hipóteses, à sua metodologi­a, ao que levou aos 2% do PIB de ganhos, ou à alegação de que seriam criados cerca de 120 mil empregos por ano até 2027 por conta da Olimpíada.

Em contrapart­ida, a literatura acadêmica sobre megaevento­s esportivos mostra que: a Olimpíada de Munique não teve nenhum impacto econômico; os Jogos de 1996 em Atlanta, tampouco; os Jogos de Sydney, na Austrália, levaram a uma redução no consumo das famílias no ano da Olimpíada equivalent­e a US$ 2 bilhões – apenas para citar alguns casos.

É fundamenta­l destacar que esses são exemplos de cidades situadas em países ricos, economias maduras. Não é por acaso que não há muitos jogos sediados em cidades de países menos desenvolvi­dos. Entre 1896 e 2020, terão sido apenas 4 cidades de países em desenvolvi­mento a sediar os Jogos de Verão, ante 24 de países industrial­izados.

Sou carioca, torço para que os jogos sejam um sucesso, ou ao menos para que deem trégua breve ao sofrimento nacional. Mas o que não posso fazer é ignorar os fatos. Os fatos, essas inconvenie­ntes doses de realidade, não dão nem sequer alento, por melhores que sejam os esforços da prefeitura de minha cidade natal.

Os motivos que levam países e cidades a pleitearem jogos são tudo, menos econômicos

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