O Estado de S. Paulo

Governar para o bem do povo

- DOM ORANI TEMPESTA

Valorizar e acreditar nas instituiçõ­es, neste momento de mudanças significat­ivas e de grande efervescên­cia política, é muito importante para o Brasil. Sob essa premissa e orando pelo governo afastado e a nova gestão, para que se encontre o caminho da promoção do bem comum, é preciso empreender muitas melhorias no sistema republican­o e presidenci­alista de nosso país.

Nesse sentido, há um aspecto importante a ser considerad­o: 28 anos após a promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988, deve-se aperfeiçoá-la, inclusive para evitar dúvidas sobre a constituci­onalidade de alguns procedimen­tos e práticas, que têm sido muitos nos atuais debates, dificultan­do soluções e favorecend­o o desentendi­mento. Deve-se lembrar que a reforma da Carta é um anseio da sociedade que vem sendo postergada nos sucessivos governos e legislatur­as. Há, agora, boa oportunida­de para concretiza­r essa tarefa tão importante para os brasileiro­s.

Por outro lado, urge neste momento, na administra­ção do presidente da República em exercício, olhar à frente e recuperar o País para o bem de nosso povo. No entanto, a execução dessa prioridade, em meio às democrátic­as e naturais divergênci­as políticas, deve pautar-se pela paz, ratificand­o o espírito sereno, pluralista e tolerante dos brasileiro­s. A alternânci­a no poder é salutar. Cabe à oposição, com razoabilid­ade, critério e seriedade, sem radicalism­os e violência, fiscalizar e ajudar a encontrar novos caminhos para a Nação.

Não se deve, em todos os partidos, na situação ou na oposição, incitar a discórdia. É preciso estar atento à realidade nacional, às tendências de comportame­nto e ao que tem ocorrido no contexto das discussões políticas. Raramente se observou no País tanta truculênci­a verbal, expressa inclusive nas redes sociais, nos debates nas empresas e até no âmbito das famílias. Há numerosas notícias de amizades desfeitas, ofensas pesadas e sistemátic­as e até mesmo de mensagens contendo discrimina­ção étnica e regional.

Tudo isso contraria muito o caráter da brasilidad­e, marcado pela convivênci­a pacífica entre as diferentes ideias, ideologias, credos e etnias. Somos uma nação constituíd­a por distintos povos e culturas, e essa é uma de nossas mais importante­s virtudes, pois nos ensinou a tolerância. Não podemos abdicar desses valores.

A agressivid­ade, mesmo que restrita à verbalizaç­ão, contraria, ainda, os preceitos do cristianis­mo, nos quais se sobressai o conceito do amor ao próximo. Tal sentimento não pode ser relativiza­do ou aplicado apenas nas circunstân­cias favoráveis do País e da sociedade. Deve prevalecer principalm­ente nos momentos de crise e de tensão, contribuin­do para que a harmonia social seja um dos fatores favoráveis ao encontro das soluções.

No âmbito da política também não cabem quaisquer espécies de agressões. A democracia existe para que todas as ideologias e opiniões possam ser livremente expressas e respeitada­s, sem patrulhame­nto, censura e revanchism­o. Críticas, discussões e ideias opostas são válidas e saudáveis, porém respeitand­o o próximo e as posturas republican­as. A truculênci­a, inclusive moral, é descabida.

Cabe às lideranças políticas dar o bom exemplo. Nesse aspecto, é oportuno recordar Santo Agostinho (354-430), cuja inspiração cristã transcende ao tempo e lhe dá impression­ante atualidade no cenário contemporâ­neo do Brasil: “A política constitui uma atividade fundamenta­l para que, no seio da sociedade humana, haja o bem e a paz”. Portanto, não é hora de apontar vitoriosos e derrotados. O importante é consertar os erros do passado, preservar o que deu certo, cuidar bem do presente e vislumbrar o futuro. Deve-se respeitar a opinião de todos os irmãos brasileiro­s, encontrand­o nas divergênci­as as contribuiç­ões para as soluções dos problemas, que são muitos, exigindo grande empenho e mobiliza- ção dos poderes constituíd­os e das instituiçõ­es.

Em meio a essas prioridade­s nacionais e em consideraç­ão aos preceitos democrátic­os, à natureza pacífica dos brasileiro­s e à fé cristã, é, portanto, imprescind­ível manter a harmonia social, repudiando a truculênci­a e o desrespeit­o às posições de cada cidadão. Lembremos a sabedoria do papa Francisco, no Sínodo 2015: “O desafio que temos pela frente é anunciar o Evangelho ao homem de hoje, defendendo a família ( ou seja, todos nós – observação minha) dos ataques ideológico­s e individual­istas. Sem jamais cair no perigo do relativism­o ou de demonizar os outros, devemos abraçar plena e corajosame­nte a bondade e a misericórd­ia”. Pois bem, é com tal espírito que o Brasil conseguirá avançar e superar as adversidad­es presentes!

As prioridade­s a serem enfrentada­s pelo novo governo são conhecidas e consensuai­s, a começar pela retomada do cresciment­o econômico, decisiva para atenuar a angústia dos brasileiro­s desemprega­dos e sua família. Prover o “pão nosso de cada dia”, atendendo à mensagem da oração que Jesus Cristo nos deixou, é uma responsabi­lidade da política dos homens. Porém, seu cumpriment­o não advém meramente da caridade e do distributi­vismo, cujo significad­o não se pode negar, mas também e, sobretudo, da inteligênc­ia, da competênci­a, do compromiss­o com a população e do senso ético com os quais se governa um país.

Deus, em sua sabedoria e bondade infinitas, conferiu todos esses atributos ao ser humano, cujo livre-arbítrio determina a direção que se dá a tais dons. Esperamos, assim, que os governante­s que seguirem à frente dos destinos do Brasil pensem prioritari­amente no povo, no bem-estar socioeconô­mico e no desenvolvi­mento com justiça social.

Mais do que nunca, é oportuno enfatizar o papel do Estado, tão bem definido por São Tomás de Aquino (1225-1274): “Promover e assegurar o bem comum”.

A tarefa de recuperar o País deve-se pautar pela paz, ratificand­o o sereno espírito dos brasileiro­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil