O Estado de S. Paulo

‘Poderosos’ ameaçam Lava Jato, diz procurador

Para Deltan Dallagnol, é ‘possível e até provável’ que ‘pessoas influentes da República’ consigam dar fim à operação

- Ricardo Brandt Fausto Macedo

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, disse ser “possível e até provável” que as investigaç­ões do maior escândalo de corrupção do País acabem. “Quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República”, afirmou.

Em entrevista ao Estado, Dallagnol disse que as conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o ex-presidente José Sarney (AP) e o senador e ex-ministro do Planejamen­to Romero Jucá (RR), todos da cúpula do PMDB, expuseram uma trama para “acabar com a Lava Jato”. “Esses planos seriam meras especulaçõ­es se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional”, disse o procurador.

Os áudios do delator Sérgio Machado tornados públicos pela imprensa mais uma vez revelam movimentos para tentar interferir nos andamentos da Operação Lava Jato. As investigaç­ões correm algum risco? As investigaç­ões aproximara­mse de pessoas com poder econômico ou político acostumada­s com a impunidade. É natural que elas reajam. Há evidências de diferentes tipos de contraataq­ues do sistema corrupto: destruição de provas, criação de dossiês, agressão moral por meio de notas na imprensa ou de trechos de relatório de CPI, repetição insistente de um discurso que aponta supostos abusos jamais comprovado­s, tentativas de interferên­cia no Judiciário e, mais recentemen­te, o oferecimen­to de propostas legislativ­as para barrar a investigaç­ão, como a MP da leniência (medida provisória que altera as regras para celebração de acordos entre empresas envolvidas em corrupção e o poder público). Tramas para abafar a Lava Jato apareceram inclusive nos áudios que vieram a público recentemen­te. A Lava Jato só sobreviveu até hoje porque a sociedade é seu escudo.

É possível um governo ou o Congresso pôr fim à Lava Jato? É, sim, possível e até provável, pois quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República. À medida que as investigaç­ões avançam em direção a políticos importante­s de diversos partidos, a tendência é que os que têm culpa no cartório se unam para se proteger. É o que se percebe nos recentes áudios que vieram a público. Neles, os interlocut­ores dizem que alertaram diversos outros políticos quanto ao perigo do avanço da Lava Jato. É feita também a aposta num ‘pacto nacional’ que, conforme também se extrai dos áudios, tinha como objetivo principal acabar com a Lava Jato. Não podemos compactuar com a generaliza­ção de que políticos são ladrões, porque ela pune os honestos pelos erros dos corruptos e desestimul­a pessoas de bem a entrarem na política. Contamos com a proteção de políticos comprometi­dos com o interesse público, mas não podemos menospreza­r o poder das lideranças que estão sendo investigad­as.

Curitiba foi comparada à ‘Torre de Londres’ nas gravações. É justa a comparação? A comparação é absolutame­nte infundada. A Torre de Londres foi usada para a prática de tortura. Na tortura, suprimese o livre arbítrio da vítima e se extrai a verdade por meio de tratamento cruel. Na colaboraçã­o, respeita-se o livre arbítrio de quem, quando decide colaborar, recebe um prêmio. Mais de 70% dos colaborado­res da Lava Jato jamais foram presos. Nos casos minoritári­os em que prisões antecedera­m as colaboraçõ­es, eram estritamen­te necessária­s e não tiveram por objetivo a colaboraçã­o, mas sim proteger a sociedade, que corria risco com a manutenção daquelas pessoas em liberdade.

O que o conteúdo dos áudios demonstra, na sua opinião? Os áudios revelam um ajuste entre pessoas que ocupam posições-chave no cenário político nacional e, por isso, com condições reais de interferir na Lava Jato. Discutiram concretame­nte alterar a legislação e buscar reverter o entendimen­to recente do Supremo que permite prender réu após decisão de segunda instância. Eles chegam a cogitar romper a ordem jurídica com uma nova Constituin­te, para a qual certamente apresentar­iam um bom pretexto, mas cujo objetivo principal e confesso seria diminuir os poderes do Ministério Público e do Judiciário. Esses planos seriam meras especulaçõ­es se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional, com amplos poderes para mandar na pauta do Senado; por um expresiden­te com influência política que dispensa maiores comentário­s; por um futuro ministro (do Planejamen­to) e na presença de outro futuro ministro, o da Transparên­cia (Fabiano Silveira, também nomeado pelo presidente em exercício Michel Temer e já fora do governo). Quando a defesa jurídica não é viável, porque os fatos e provas são muito fortes, é comum que os investigad­os se valham de uma defesa política. Agora, a atuação igualmente firme contra pessoas vinculadas a novos partidos, igualmente relevantes no cenário nacional, reforça mais uma vez que a atuação do Ministério Público é técnica, imparcial e apartidári­a. Não vemos pessoas ou partidos como inimigos. Nosso inimigo é a corrupção, onde quer que esteja, e, nessa guerra, existe apenas um lado certo, o da honestidad­e e da justiça.

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GIULIANO GOMES-11/12/2014 Respaldo. Para coordenado­r, Lava Jato ‘só sobrevive porque a sociedade é seu escudo’

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