O Estado de S. Paulo

Temer deixa para depois

-

Está cada vez mais claro que o único “rumo certo” do governo Temer é deixar de ser interino. Nada além do simbólico deve ser votado pelo Congresso Nacional até que o Senado julgue e impeça definitiva­mente Dilma Rousseff, o que não vai ocorrer antes de agosto. Até lá, nenhuma reforma importante ou decisão com impacto imediato sobre o equilíbrio das contas públicas deve acontecer – descontado­s os arroubos retóricos e promessas vãs.

O propalado corte de cargos em comissão das administra­ções direta e indireta ficou só na garganta, por enquanto. Em vez de eliminar 4 mil posições, o governo endossou a cria- ção de três vezes mais do que isso, para depois dizer que não iria preenchê-las. Disse também que iria nomear apenas pessoas com preparo e experiênci­a técnica para as empresas estatais, mas acabou se desdizendo logo em seguida. Os novos limites para o gasto público nem foram implementa­dos e já têm prazo para acabar.

Na prática, o que faz o presidente em exercício Michel Temer e seu ministério é administra­r expectativ­as até que possa se tornar definitivo. Faz reuniões a granel com empresário­s, sindicalis­tas e, acima de tudo, deputados e senadores – se atendo ao diagnóstic­o de que o que derrubou Dilma não foi tanto a sua inépcia econômica quanto a falta de salamalequ­es com os parlamenta­res. Assim, na base do cafezinho, do sorriso e do tapinha nas costas o interino vai esperando agosto chegar.

Enquanto o braço administra­tivo atua no campo simbólico à espera das condições que julga ideais para começar a governar de fato, a mão silenciosa do governo interino age de todas as maneiras para evitar que as indiscriçõ­es da Lava Jato e as ações do Ministério Público destruam a teia peemede- bista que envolve o Estado brasileiro desde o governo Sarney. Enquanto a mão age em silêncio, a boca tenta distrair o público falando o oposto.

O comportame­nto esquizofrê­nico fica mais evidente na relação com o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. Todos os seus indicados para o governo federal foram nomeados e mantidos mesmo após seu afastament­o. O governo não teve coragem de bancar a destituiçã­o de seu substituto, um drone cunhado pela prepotênci­a de quem se sabe fora do alcance de retaliaçõe­s. Mais do que isso, ajudou nas manobras para evitar a cassação de Cunha.

O ex-ministro Romero Jucá foi flagrado conspirand­o contra a Lava Jato, mas continua frequentan­do cerimônias palacianas, sentando-se na primeira fila e cultivando a ideia de que pode ter perdido o foro privilegia­do, mas continua teleguiand­o decisões no Planejamen­to e onde mais seus bigodes estavam antes da demissão.

Ao mesmo tempo, políticos da cozinha de Temer tentam fazer crer que as instituiçõ­es estão funcionand­o graças ao chefe e ao PMDB. Como se o presidente afastado da Câmara, o presidente réu do Senado, os ministros no alvo da Lava Jato e aqueles que tiveram sua prisão pedida pelo procurador­geral, Rodrigo Janot, não fossem os avalistas principais do governo e do presidente interino.

Usam a própria incompetên­cia para abafar a Lava Jato até agora como propaganda do bom funcioname­nto do sistema político. Tudo isso alegadamen­te graças ao PMDB e seus caciques – os mesmos que estão implicados, junto com petistas, no coração do esquema.

O problema de Temer adiar o começo do governo para agosto é que o julgamento de Dilma vai coincidir com a Olimpíada, e, depois dos Jogos, virão as eleições municipais, e, depois das eleições, vem o recesso. Sempre haverá uma desculpa para deixar as decisões difíceis para mais adiante. Enquanto isso, a Lava Jato – se alguns ministros do Supremo deixarem – deve continuar provocando pesadelos e sobressalt­os em Brasília. O que parece um ganho de tempo hoje pode virar uma perda de tempo amanhã.

Presidente em exercício administra expectativ­as até que possa se tornar definitivo

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil