O Estado de S. Paulo

Mossack Fonseca constituiu empresa no Panamá em 2007

- José Roberto de Toledo Daniel Bramatti Douglas Pereira Rodrigo Burgarelli

Ochefe da auditoria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) aparece nos Panama Papers como acionista único da offshore Ramelia Inc. – uma empresa de prateleira constituíd­a pelo escritório Mossack Fonseca no paraíso fiscal do Panamá. Antonio Carlos Neves de Mattos aparece também como seu procurador plenipoten­ciário, autorizado a administra­r a empresa, abrir e fechar contas bancárias, tomar empréstimo­s, comprar e vender em seu nome. Procurado, ele negou ter qualquer relação com a offshore.

Criada em 2007, a Ramelia Inc. foi vendida pela Mossack Fonseca ainda naquele ano, com a intermedia­ção do Banco Safra Sarasin, de Luxemburgo. No princípio, as ações no valor de US$ 40 mil foram emitidas em quatro certificad­os ao portador. Mas, em 24 de novembro do ano passado, passaram a ser nomi- nais. Todos os quatro certificad­os passaram ao nome de Antonio Carlos Neves de Mattos, domiciliad­o à rua Maria Amalia, no Rio de Janeiro.

Embora seja inusual um funcionári­o público federal responsáve­l por auditar empresas do setor de petróleo e combustíve­l ser acionista de uma companhia em um paraíso fiscal, não há nada que o impeça de ser sócio de empresas – desde que declaradas à Receita Federal. Porém, a lei 8.112, de 1990, proíbe os funcionári­os de “participar da gerência ou administra­ção de sociedade privada”. Isso pode ser um problema para o chefe dos auditores da ANP.

Restrições. Escrita em inglês, a procuração assinada pelos diretores-laranjas da Ramelia Inc. em favor de Neves de Mattos explicita que o documento confere a ele poderes para agir individual­mente “para gerenciar a corporação através de atos administra­tivos como tomar ou emprestar dinheiro, comprar produtos, mercadoria­s, ações e imóveis”, entre outros bens e serviços. A lei 8.112, além de proibir a participaç­ão na gerência de empresas privadas também veda ao funcionári­o público “exercer comércio”.

A mais recente procuração em fa- vor de Neves de Mattos – com validade por cinco anos – foi assinada em 15 de setembro de 2015 por Carmen Wong. Como sempre acontece com offshores criadas pela Mossack Fonseca, faz parte dos serviços prestados pelo escritório panamenho indicar diretores de fachada para constar dos documentos da empresa. Wong é diretora de centenas de outras offshores, além da Ramelia Inc. Seu nome aparece 255 mil vezes nos documentos internos da Mossack Fonseca.

O Estadão Dados descobriu a existência da Ramelia Inc. ao analisar os cerca de 11,5 milhões de documentos resultante­s do vazamento dos dados da Mossack Fonseca. Os arquivos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsch­e Zeitung e compartilh­ados com o Consórcio Internacio­nal de Jornalismo Investigat­ivo (ICIJ) e mais de 100 veículos de mídia do mundo todo. No Brasil, a investigaç­ão é feita pelo Estado, pelo UOL e pela Rede TV!.

Entre os documentos encontrado­s pela reportagem nos arquivos da Mossack Fonseca estão cópias dos certificad­os de ações e da procuração que lhe dá “power of attorney” sobre a Ramelia Inc. e uma reprodução do passaporte de Neves de Mat- tos, válido até outubro de 2016.

Ter uma offshore não é ilegal. Porém, a legislação exige que ela seja declarada à Receita Federal e ao Banco Central, caso haja remessa de recursos para o exterior. No caso de Neves de Mattos, apenas uma investigaç­ão ofi- cial teria poderes para comprovar se houve ou não alguma ilegalidad­e.

A ANP não respondeu se há irregulari­dade no fato de o auditor ser acionista de offshore – afirmou apenas que o servidor nega vinculação com a empresa (leia abaixo).

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