Timidez das reações políticas não condiz com gravidade do caso
Éa franquia mais fácil de se obter. Não precisa comprovar renda ou capacidade de gerência. O investimento é relativamente modesto – uma arma que pode custar tão pouco como US$ 800 e fartas rodadas de munição. O custo final, a própria vida, não parece desencorajar os candidatos. Ao contrário. Uma vez decidido o alvo, até um americano como Elton Simpson, morto quando tentava atacar uma exposição de cartuns do profeta Maomé no Texas, em 2015, telefonou para declarar lealdade ao Estado Islâmico, como quem pede um hambúrguer em uma lanchonete de fast food. Pela cartilha do EI, o selo da marca de terror é concedido com uma simples declaração de lealdade antes de partir desse mundo.
Se o pior massacre com armas de fogo da história dos EUA, como parece, cometido com a habitual rapidez de armas automáticas, a reação política, apesar da era digital, lembra o ranger da roda de uma carroça. Compaixão mesclada com cautela excessiva, platitudes contaminadas de cálculo político, tentativas de faturar com a tragédia.
Donald Trump passou os últimos dias se esquivando de uma operação de castração verbal pela máquina de relações públicas do Partido Republicano. Se a tragédia de Orlando tivesse ocorrido há duas semanas, teríamos testemunhado o bilionário em toda sua excrescência. Nas horas seguintes ao massacre, ele aproveitou para se vangloriar e atacar Hillary Clinton via Obama – “Quando ele vai mencionar terrorismo islâmico? Se não fizer isso, deve renunciar em desgraça!”
Já Hillary reagiu na rede social com declarações sóbrias, sobre orações pelas vítimas, solidariedade à comunidade LGBT e críticas à facilidade com que terroristas adquirem armas – não uma denúncia sobre a insanidade de 300 milhões de armas em mãos de cidadãos comuns nos EUA.
Obama, do alto de sua experiência macabra de falar aos americanos depois de quinze massacres, liberado de expectativas por estar em fim de governo, deixou claro que não espera mudanças até deixar a presidência no dia primeiro de janeiro de 2017. “Temos de decidir que país queremos ser,” disse.
Na Flórida e em outros Estados, políticos se atropelaram para saudar os bravos policiais que travaram uma batalha com o assassino e salvaram 30 reféns. Depois de um ano da campanha presidencial rancorosa e extremista no campo republicano, que incluiu ataques à união entre pessoas do mesmo sexo, políticos encontraram na homofobia do Estado Islâmico um inimigo expediente. Já a facilidade com que o assassino comprou armas... Não é preciso ir tão longe.
Chamou atenção a determinação de líderes muçulmanos americanos em denunciar o ataque de maneira coordenada. Nihad Awad, diretor executivo do Conselho de Relações Americanas-Islâmicas, a maior organização islâmica dos EUA, ao lado de outros líderes comunitários, dirigiu-se ao EI olhando para as câmeras: “Vocês não falam por nós, não nos representam. Vocês são uma aberração.” Awad agradeceu o apoio recebi- do no passado por grupos LGBT e disse que não se pode lutar contra a injustiça cometida contra certos grupos e não outros. É possível que a rapidez e a ênfase da reação tenham em mente um discurso de Trump esperado para hoje, em que ele vai falar sobre terrorismo, imigração e segurança nacional.
Do governador republicano da Flórida, Rick Scott, a vários senadores e deputados conservadores, as reações foram, às vezes, negligentes com a dor das vítimas que não se alistaram para a tragédia. Entre os políticos eleitos, houve pouca referência ao fato de que o assassino Omar Mateen foi investigado não uma, mas duas vezes pelo FBI. Em 2013, colegas de trabalho o denunciaram por expressar apoio ao terrorismo, ele foi entrevistado e liberado. Em 2014, ele foi novamente procurado pelo FBI por manter contato com Moner Mohammad Abu-Salha, um cidadão americano e terrorista suicida que morreu num atentado na Síria. O caso foi fechado por falta de provas. Há duas semanas, comprou legalmente o arsenal para o massacre. Depois de 15 anos de guerra ao terror, o inimigo, mais uma vez, mora ao lado.