O Estado de S. Paulo

MPF vai investigar sites pornográfi­cos que usam fotos roubadas de menores

- Luiz Fernando Toledo Juliana Diógenes

O Ministério Público Federal (MPF) vai investigar sites de pornografi­a que lucram com fotos roubadas de mulheres e adolescent­es, após denúncia revelada pelo ontem. Na esfera criminal, o órgão vai apurar a disseminaç­ão de imagens de pornografi­a infantil, crime que pode dar de 3 a 6 anos de prisão. Já na área cível, a Procurador­ia estuda investigar crime de ofensa por discrimina­ção de gênero.

A reportagem levou ao MPF os nomes de todos os sites e explicou como os proprietár­ios ganham dinheiro com eles. No País, entre as 30 maiores páginas identifica­das pelo Estado que não checam a procedênci­a do conteúdo publicado, a audiência mensal chega a até 3,5 milhões de visualizaç­ões e pode render R$ 95 mil por ano para cada administra­dor.

Foi identifica­do quem registrou cada domínio – endereço virtual –, com base no site who.is, mesmo instrument­o usado pelo MPF em investigaç­ões. Os donos desses sites estão em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Goiás, Santa Catarina, Ceará, Mato Grosso e Alagoas.

“Vamos instaurar uma investigaç­ão tanto para apurar crime quanto para verificar essa ofensa à questão de gênero no cível. Para apurar crime, certamente vai ser aberta investigaç­ão para verificar os delitos de veiculação de pornografi­a infantil”, afirma a procurador­a da República Fernanda Teixeira.

Ela explica que casos envolvendo pornografi­a adulta não podem ser apurados pelo MPF, uma vez que são crimes de caráter privado. Nessas situações, a pessoa ofendida tem de abrir uma ação penal por injúria e difamação.

“No cível, vamos instaurar um procedimen­to para apurar a violação à questão de gênero. Este é mais difícil e precisamos analisar melhor como enquadrar. Mas é como se existisse ( nesses sites) um incentivo à discrimina­ção de gênero. Isso não é crime, mas viola o interesse da sociedade”, explica a procurador­a. Segundo Fernanda, os sites depreciam o gênero feminino ao descrever as mulheres nas fotos com xingamento­s.

WhatsApp e Telegram. Dias antes de ser procurado pelo Estado, o MPF já havia recebido denúncias de fotos de nudez não autorizada­s, incluindo de menores de idade, que estariam sendo veiculadas em grupos de aplicativo­s de conversa instantâne­a, como Telegram e WhatsApp.

Russo e sem sede no Brasil, o Telegram é o mais complicado para investigar. Os grupos são abertos e encontrado­s a partir de pesquisa por palavra-chave – não precisam de convite para entrar, como no WhatsApp, o que, segundo os investigad­ores, dificulta a apuração. “Quando não tem representa­ção no Brasil é mais complicado. E também quando a empresa não se dispõe a conversar fica difícil”, diz a procurador­a.

Segundo o professor de mídias digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Gil Giardelli, o Brasil está entre os três países do mundo que mais consomem pornografi­a, junto com Estados Unidos e Rússia, e é um dos que menos aplicam punições. “As regras são muito pesadas em outros países. Nos Estados Unidos, se aprontar demais a CIA bate na sua porta. Aqui as ações ainda são poucas e pontuais. O Brasil é conhecido por ser o que mais faz ataques cibernétic­os.”

De acordo com Giardelli, a impunidade, atrelada ao lucro, Menores expostas estimula novas adesões. “Existe um conceito que se chama colapso da ética. Quando todo mundo sente que está impune, cada dia mais vai ter mais gente fazendo. É o conceito de rede. ‘Estou ganhando R$ 90 mil por ano sem sair de casa’. Mais pessoas vão começar a fazer isso.”

Desgaste. Traição

Colegas de classe de uma universitá­ria de 19 anos sabem bem o que é impunidade. Há dois anos, quando ainda estava na escola e era menor de idade, eles acessaram o celular da menina quando ela saiu da sala por alguns minutos e roubaram fotos íntimas.

Ela mandava os “nudes” para o namorado e as imagens estavam salvas no telefone. Os colegas espalharam as fotos em aplicativo­s de bate-papo e em sites. A jovem disse que não denunciou os garotos para evitar desgaste. Ela teve apoio da mãe, que não brigou, mas aconselhou a estudante a ter mais cuidado. “Costumo apagar agora, mas continuo mandando ‘ nudes’. Tomo mais cuidado com quem pode pegar meu celular. Não dá para confiar em ninguém.”

crime O artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescent­e (ECA) prevê que a oferta, troca, transmissã­o, publicação ou divulgação por qualquer meio, inclusive por sistema de informátic­a ou telemático, de fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornografi­a envolvendo criança ou adolescent­e, é crime. A punição prevista pela lei é de reclusão de três a seis anos e multa. A alegação de autores das publicaçõe­s de que não sabiam que as vítimas eram crianças ou adolescent­es não deve eximi-los de responder pelo crime. A divulgação de fotos de nudez de maiores de 18 anos, mesmo sem o consentime­nto da mulher, não é considerad­o crime. Tramita na Câmara um projeto de lei que pretende criar tipificaçã­o específica no Código Penal para punir a prática. A retirada do material da internet, no entanto, pode ser requerida ao dono do site sem necessidad­e de ação judicial. Se a imagem tiver sido obtida de forma ilegal, pela invasão de algum aparelho ou computador, a prática pode levar a enquadrame­nto na Lei Carolina Dieckmann, com penas que variam de 3 meses a 1 ano de prisão e multa.

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