O Estado de S. Paulo

Entre esperanças e resultados

- JORGE J. OKUBARO

Oprimeiro mês do governo interino chefiado por Michel Temer mostrou um abismo entre as expectativ­as de milhões de brasileiro­s que viam no afastament­o de Dilma Rousseff da Presidênci­a da República o início imediato de um período de esperanças e os resultados até agora alcançados. Reconheça-se que o pouco tempo transcorri­do não permitiu a elaboração e proposição de soluções para os mais graves entre os imensos problemas que se criaram e se tornaram agudos no governo Dilma. Ademais, Michel Temer ocupa o cargo em caráter temporário, numa interinida­de que lhe tolhe de alguma maneira o poder de decidir e implementa­r suas decisões e que persistirá enquanto o Senado não terminar o julgamento do processo de impeachmen­t da presidente afastada. A despeito dessas atenuantes, no entanto, era legítimo esperar que Temer errasse menos, sobretudo no terreno da política, que ele decerto conhece bem melhor do que aquela a quem substitui no momento – e, pelas indicações disponívei­s, substituir­á até o fim do atual mandato presidenci­al.

Causou certa estranheza o anúncio de seu Ministério com a participaç­ão de políticos investigad­os na Operação Lava Jato. Era, supunha-se com condescend­ência, o preço da constituiç­ão, no Congresso, da base de apoio indispensá­vel para a aprovação de propostas essenciais destinadas a recolocar a economia do País de volta aos trilhos, sobretudo no campo fiscal, devastado pela irresponsá­vel utilização do dinheiro público durante o governo da presidente afastada. Esperavam-se também do novo governo iniciativa­s capazes de afastar da administra­ção pública práticas ilegais e a corrupção que se entranhara­m em diferentes áreas da máquina do Estado – afinal, não era esse o clamor das ruas?

Cercar-se de políticos com histórico como esse resultou em problemas para o presidente em exercício. A divulgação de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com importante­s figuras do PMDB provocou a demissão de dois integrante­s do governo Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) do Ministério do Planejamen­to e Fabiano Silveira do Ministério da Transparên­cia, Fiscalizaç­ão e Controle.

A composição e a estruturaç­ão do Ministério causaram outros problemas para Temer. Pressões variadas levaram-no a recriar o Ministério da Cultura, que, na primeira versão de sua equipe, tinha sido incorporad­o pelo Ministério da Educação. Criticado por não incluir nenhuma mulher entre seus ministros, Temer nomeou para a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres a ex-deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP), que já havia se manifestad­o contra a descrimina­lização do aborto e fora citada em relatório da Procurador­ia-Geral da República por suspeita de envolvimen­to em esquema de desvio de verbas públicas.

A aprovação, sem dificuldad­es, de duas propostas necessária­s para começar a pôr em ordem as finanças do governo federal – a revisão da meta do resultado primário para 2016, agora com previsão de déficit de R$ 170,5 bilhões; e a prorrogaçã­o da Desvincula- ção das Receitas da União (DRU) até 2023 e sua ampliação para até 30% das receitas (a proposta ainda precisa ser votada pelo Senado) – sugeria uma relação menos tensa, tranquila até, do governo interino com o Congresso, o que, por índole, arrogância e incompetên­cia política, a presidente afastada jamais alcançara.

A fragilidad­e natural decorrente da interinida­de, porém, está sendo habilmente explorada pelo mesmo grupo que, ao constatar a corrosão da credibilid­ade da presidente afastada que antes apoiara, criou as condições para o início do processo de seu impeachmen­t e vê agora aberto o caminho para extrair vantagens de um governo que julga ter tornado viável e do qual, por isso, pode desfrutar. É esse, lamentavel­mente, o ambiente político pelo qual têm de navegar os interesses nacionais, por isso mesmo muito poucas vezes privilegia­dos em relação aos interesses pessoais dos que compõem tal mundo.

Não se podia, sensatamen­te, esperar que o afastament­o de uma presidente coberta de acusações de incompetên­cia, irresponsa­bilidade e, agora, de prática de atos ilícitos na obtenção de dinheiro para sua campanha eleitoral resultasse, por si só, na súbita instituiçã­o da ética como padrão de comportame­nto do meio político. Nem se podia exigir de um presidente ainda interino que pusesse fim, em tão pouco tempo, a práticas arraigadas.

Mas não era preciso que o presidente em exercício se rendesse tão fácil e rapidament­e às exigências dos políticos, cujas carreiras, como regra, são marcadas pela obtenção de benesses em troca de apoios pontuais. Sua concordânc­ia tácita com a aprovação de projetos que elevam os vencimento­s de diversas carreiras do setor público, em particular do Poder Judiciário, e aumentam os gastos federais em R$ 56 bilhões até 2018, agradou a boa parte de sua base no Congresso, mas ignorou o drama de mais de 11 milhões de brasileiro­s que, desemprega­dos, não têm renda nenhuma. Num período de grave crise fiscal, que acabará impondo ônus aos contribuin­tes, cujo rendimento real está sendo corroído pela crise, medidas como essas soam como desrespeit­o.

De que adianta cortar gastos, sacrifican­do inclusive programas de grande importânci­a para a sociedade e buscar fontes alternativ­as de recursos – mais impostos –, se de outro lado se aprovam aumentos para categorias que, em geral, estão protegidas do risco de desemprego e, em média, vêm obtendo ganhos reais consecutiv­os mesmo na crise?

Pesquisas de opinião pública indicam que, embora seja pequena a porcentage­m da população que declara apoio ao governo Temer, há uma grande fatia que o considera regular ou se diz indiferent­e a ele. É possível a conquista do apoio dessa fatia pelo governo Temer, o que lhe facilitari­a a tarefa de negociar com decência no Congresso as medidas urgentes e necessária­s para recolocar de pé um país atolado na crise. Mas, para isso, é indispensá­vel que comece a agir – com presteza e correção.

Apesar das dificuldad­es como interino, era legítimo esperar que Temer errasse menos, sobretudo na política

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