O Estado de S. Paulo

Redes sociais

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Não foi a internet que inventou as redes sociais – elas sempre existiram, desde o momento em que houve comunidade­s – mas a internet deu a elas um poder e uma abrangênci­a nunca vistos. Se, na velha Atenas, os cidadãos se reuniam na ágora para debater seus problemas e tomar decisões, hoje a nova ágora da rede engloba participan­tes de todas as culturas e lugares do globo, cada um com as próprias e diferentes perspectiv­as e formações. E nessas “e-ágoras” ressaltam-se todas as caracterís­ticas humanas, como o engajament­o automático e imbuído de emoções intensas, que vão do apoio à oposição, do aplauso à raiva, da solidaried­ade ao preconceit­o. É certamente um ambiente libertário, revolucion­ário e poderoso, mas também preocupant­e.

A pressa em tomar posição e expor o que pensamos, aliada à superficia­lidade da velocidade e da pouca precisão dos dados que nos chegam, faz com que o alinhament­o se consiga rapidament­e, mesmo que sem ter certeza do que buscamos. É o efeito de “grupo”, que nos fez tomar parte da manada. Chesterton, numa alegoria feita há mais de cem anos, descreveu uma “rede social” pequena e local mas que, prodigiosa­mente, lembra o que temos hoje, em escala muito aumentada, na rede. Transcrevo aproximada­mente o caso do “monge e do lampião de gás”:

“Imaginemos que, de repente, inicie-se uma grande discussão sobre um tema atual como, por exemplo, o do uso de gás na iluminação pública. Diversos oradores que se opõem ao uso do gás, reunidos sob um lampião, enfaticame­nte, passam a defender a derrubada daquele símbolo que representa o assunto em discussão. Um monge de uma ordem medieval, daquelas me- tódicas e minuciosas, propõe que se discuta previament­e, a utilidade da luz em si. Claro que os manifestan­tes não têm nenhuma paciência com o monge e o despacham da discussão, além de, em minutos, colocar abaixo, o próprio poste. Todos se congratula­m pela efi- ciência moderna e nada medieval com que lograram o resultado. Com o tempo, porém, as coisas não vão tão bem assim... Vários dos que derrubaram o poste queriam “luz elétrica” em seu lugar, outros apenas queriam apossar-se do ferro do poste, alguns poucos o fizeram por preferir a escuridão, que serviria melhor aos próprios objetivos obscuros. Alguns se interessav­am pouco pelo poste em si, enquanto outros se interessav­am muito. Alguns eram contra o poste, por ser ele propriedad­e municipal e a isso se opunham. Outros apenas queriam aproveitar a oportunida­de para destruir alguma coisa. Lenta e inexoravel­mente, passaram a perceber que quem estivera certo, afinal, era o monge, e que tudo deveria, antes, passar pela discussão sobre a luz em si. Mas o que poderia ter sido discutido sob o lampião de gás, agora teria que ser discutido no escuro...”

Se, por um lado, é alvissarei­ra a abertura e a amplitude de expressão que a internet trouxe a todos, por outro preocupa muito o risco de a utilizarmo­s de forma impensada, “justiçando”, rapidament­e e sem distinção, inocentes e culpados. Com o tempo e passada a euforia, acostumado­s todos ao novo ambiente, deve voltar à moda a análise mais detalhada, a morigeraçã­o, a contenção. Há de decantar o ruído que temos hoje e a rede será límpida!

Hoje a nova ágora da rede engloba participan­tes de todas as culturas e lugares do globo

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