O Estado de S. Paulo

Ex-secretário defende modelo de gestão

Para Carlos Augusto Calil, críticas do maestro John Neschling à Fundação Teatro Municipal são maliciosas

- João Luiz Sampaio

Alvo de investigaç­ões do Ministério Público e tema de CPI na Câmara Municipal, o Teatro Municipal de São Paulo se vê agora às voltas com uma discussão a respeito de seu modelo de gestão. Após o atual diretor da fundação, Paulo Dallari, elogiar o formato de fundação pública, o maestro John Neschling afirmou em seu blog e em seu Facebook que ele é “inviável e perverso”. À divergênci­a interna soma-se a posição do ex-secretário de Cultura Carlos Augusto Calil, idealizado­r do modelo, para quem “é curioso que o maestro utilize a crítica a um modelo de fundação nunca de fato implementa­do para justificar resultados artísticos nada brilhantes”.

A Fundação Teatro Municipal de São Paulo abarca o teatro, seus corpos estáveis, a Praça das Artes e as escolas de música e dança. Criada em 2012 na gestão de Calil, só foi implementa­da a partir de 2013, após a mudança na prefeitura. É uma fundação pública e seu funcioname­nto depende de um contrato de gestão com uma organizaçã­o social. É diferente, por exemplo, do que acontece com a Osesp: a Fundação Osesp é uma fundação privada – em outras palavras, é sua própria OS e firma um contrato de gestão diretament­e com o governo do Estado.

No caso do Municipal, a questão central do debate tem girado em torno da relação entre fundação e OS. O estatuto da fundação prevê cargos como o de diretor artístico, além da composição de conselhos artísticos, deliberati­vo ou fiscal. Caberia à organizaçã­o social, nessa configuraç­ão, contratar os artistas por CLT e pagar os custos de produção. Na gestão atual, no entanto, conselhos não foram empossados e a OS ganhou um diretor artístico próprio, o maestro John Neschling, que sem pertencer à fundação é responsáve­l pela programaçã­o.

Desde o início do ano, no entanto, quando a prefeitura determinou a intervençã­o na OS (o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural), após seu presidente William Nacked e o maestro Neschling serem citados em delação premiada do antigo diretor da fundação, José Luiz Herencia, foi nomeada uma diretora artística para a fundação, Daniela Avelar. Em entrevista recente ao Estado, Paulo Dallari defendeu o modelo e alguns “ajustes”, como um rearranjo interno segundo o qual a fundação ficaria responsáve­l pela Praça das Artes e as escolas e a OS, pela temporada do teatro. Artisticam­ente, o rearranjo levaria a uma situação na qual a fundação definiria conceitos que seriam traduzidos em programaçã­o pela OS.

Dias depois, no entanto, o maestro John Neschling afirmou em seu blog que uma fundação de direito público é um “contrassen­so”. “Não livra a administra­ção do engessamen­to funcional e obriga a fundação a contratar uma OS para que a administra­ção tenha a fluidez ne- cessária. Essa OS se transforma numa mera pagadora de contas”, escreveu. Do ponto de vista artístico, o maestro diz que o modelo torna “praticamen­te impraticáv­el” qualquer “tomada clara de posição”. “Há no estatuto da fundação um diretor artístico próprio, além de um conselho artístico formado por um número que até hoje me foge de conselheir­os, que tem como missão (ao menos legal) discutir a linha estética, a programaçã­o e Deus sabe o que mais. Um entrave literalmen­te absurdo para qualquer diretor artístico tradiciona­l. Esse democratis- mo anacrônico é o resultado de uma ideologia ultrapassa­da.”

Questionad­o pelo Estado a respeito das posições do maestro, Dallari afirmou em nota que “não há uma posição consolidad­a sobre o papel do Theatro Municipal e a comunidade cultural deve se apropriar e discutir de forma pública e transparen­te as possibilid­ades”. “A obtenção de uma estabilida­de de longo prazo – como é desejável – envolverá inevitavel­mente algum consenso na resposta aos questionam­entos que estão colocados. É importante ressaltar que esta discussão ocorre em paralelo às atividades do Theatro, que mantém integralme­nte sua programaçã­o para 2016 e o trabalho de excelência desenvolvi­do pelos seus funcionári­os e corpos artísticos.”

Já o idealizado­r do modelo da Fundação Teatro Municipal de São Paulo, o ex-secretário muni- cipal de Cultura Carlos Augusto Calil, criticou abertament­e as posições de Neschling. “Não entendo como se pode questionar o funcioname­nto de um modelo que nunca foi, de fato, colocado em prática. Não existe, no estatuto, a figura do diretor artístico da OS e, além disso, o estatuto diz que um diretor artístico não pode também ser regente da orquestra, ou seja, o que temos é uma configuraç­ão ilegal. Os conselhos e mecanismos de controle previstos no projeto original também nunca foram instituído­s. Nesse contexto, é no mínimo curioso culpar o modelo pelos desvios e pela ausência de resultados artísticos”, diz.

Para Calil, não se pode reduzir o Municipal à sua temporada lírica. “O Municipal é mais complexo, com escolas, diversos corpos estáveis. Não fui eu que o fiz assim e o meu objetivo lá atrás foi pensar em um modelo de governança que desse conta dessa complexida­de. Foi nesse sentido, por exemplo, que nasceu a Praça das Artes. O que me parece anacrônico é querer submeter toda uma instituiçã­o aos desejos de um maestro que vendeu um peixe que foi incapaz de entregar.”

Sobre a relação entre a OS e a fundação, Calil explica que cabe à primeira firmar contratos e realizar espetáculo­s. “É esse o sentido da OS. É claro que ela e a fundação podem dialogar, mas no espírito de colaboraçã­o e não de subordinaç­ão. Em um teatro complexo como o Municipal a centraliza­ção não serve, ainda mais quando feita de modo agressivo, desagregad­or, sem respeito à história da instituiçã­o.” O Estado procurou o maestro Neschling para que ele comentasse as colocações de Calil mas, por meio de sua assessoria de imprensa, ele afirmou que já expressou sua opinião no texto publicado em seu Facebook.

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IARA MORSELLI/ESTADÃO Calil rebate. “Diretor artístico não pode ser regente”
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DENISE ANDRADE/ESTADÃO Neschling. Para o maetsro, OS é mera pagadora de contas

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