O Estado de S. Paulo

Grace põe pilha às 19h

Novela rende ibope à atriz nas redes sociais e ‘vida’ após a morte em cena

- Cristina Padiglione

Criadora da Terça Insana, um ícone do teatro de comédia que por mais de 13 anos habitou a agenda de atrações de São Paulo, a gaúcha Grace Gianoukas se vê agora como hit nas redes sociais por culpa de Teodora Abdala, a ricaça da novela das 7 da Globo, Haja Coração. Em 33 anos de carreira, é sua primeira personagem de novela na Globo que não há de se resumir a uma participaç­ão especial. Não que a TV só tenha reparado em Grace agora, mas a intensa agenda nos palcos, de certa forma, inibiu sua frequência em outros folhetins por temporadas mais longas.

É verdade que a hora de Teodora está próxima. Sua morte, no entanto, prevista para o capítulo 36 (no ar dia 11 de julho), não significa que ela sairá de cena. “Grace é um sucesso no Twitter, nas redes sociais. Tem gente me escrevendo pra não matá-la”, confirma o autor, Daniel Ortiz. “Vou ter que inventar uns pesadelos pro Aparício Varela (Alexandre Borges, o marido “panaca”), em que ela apareça”. Daniel ainda ensaia como fará para não tirar a atriz de circuito em sua história. “Não sabemos ainda se ela volta ‘viva’ ou como ‘fantasma’, como foi no original”, adianta.

A morte de Teodora honra seus hábitos de ostentação: o helicópter­o onde ela se encontra explode. Em Sassarican­do (1987), versão original, a personagem era vivida por Jandira Martini e o marido que se casa- va com ela por dinheiro, sujeitando-se a todo tipo de humilhação, era obra de Paulo Autran. Agora, Borges é digno dos melhores elogios de Grace, que recusa a ideia de que ele lhe sirva como “escada”. “As caras que ele faz são maravilhos­as”, diz. Como boa atriz que é, defende a personagem, justifican­do até seus atos mais espúrios. “O que ela pode fazer? Com aquele marido que se casou com ela por interesse e vive sonhando com a namorada de infância, com aquela irmã e aquele cunhado que vivem às custas dela, só lhe resta se realizar nos desejos da filha, Fedora, uma menina mimada como provavelme­nte ela, Teodora, também foi, pelo pai”.

Pouco antes de iniciarmos nossa conversa, no tradiciona­l São Cristóvão, restaurant­e da Vila Madalena, em São Paulo, Grace dirige o fotógrafo, Márcio Fernandes, nos cliques feitos ali pela Rua Aspicuelta. E se ajoelha no chão, se preciso for, avisando, às gargalhada­s: “adoro cair, caio toda hora” . Já despencou “várias vezes do palco”, por força do personagem ou mesmo por acidente. “Eu fazia uma personagem que encenava um strip-tease e ia tirando brincos, anéis, dente postiço, as lentes de contato – tirava uma e, quando tirava a outra, ficava desnortead­a, sem enxergar, e puft, caía do palco”, conta. Marido de Grace e sócio da produtora Terça Insana, Paulo confirma: “uma vez ela caiu no colo do Marcelo Rubens Paiva”. “Ah, mas essa foi outra peça”, responde a atriz. Há poucos dias, quando foi gravar uma cena em que vê Aparício (Borges) com a namorada de juventude, vivida por Malu Mader, Grace sai correndo e cai. Queria dispensar dublê, mas a direção da novela não permite. Não pode correr o risco de vê-la se machucar, compromete­ndo as gravações seguintes. “Botaram dublê, mas aquele colchãozin­ho estava tão bom de cair. Aí é aquele negócio de ‘grava de novo’, ‘grava contraplan­o’, ‘grava por outro ângulo’, e eu só, ‘puf’, ‘puf’, adoro cair.”

Diretor-geral da trama, Fred Mayrink tem conspirado a favor do bom aproveitam­ento de Grace. “O Fred já foi ator, sabe como são as coisas, e tem me deixado brincar bastante. Essa relação foi se construind­o com azeitinhos, ela tem várias nuances. Talvez o espectador já te- nha notado que Teodora ostenta um anel de cachorro ao lado da aliança de casamento. “É para se lembrar de como ela deve tratar o marido”, diverte-se Grace. E como ela é fina, não é um cachorro qualquer, mas “um buldogue francês”, avisa.

Habituada a dirigir, produzir, escrever e atuar em seus espetá- culos, Grace confessa que chega aos Estúdios Globo para gravar como quem entra em uma clínica de relaxament­o. “Eu me sinto num spa. O texto não é meu, a direção também não. Só tenho que interpreta­r e é uma delícia, posso colaborar com tudo. Toda a minha experiênci­a me leva a saber tudo o que foi feito até ali, eu sei o que é quando o trabalho chega no palco, o que aconteceu por trás. E tenho sido muito feliz nesse trabalho. Eu não esperava encontrar um trabalho de equipe tão forte.”

Cercada por Tatá Werneck, Marcelo Médici e Cláudia Jimenez, todos profission­ais afiados em fazer rir, não sobra espaço para mau humor, nem quando a cena é dramática. “Outro dia gravamos, eu e a Marisa (Orth) um embate entre nossas personagen­s, mas caímos no riso depois que acabamos”, conta. “Meu núcleo é uma maravilha. Acho que uma personagem, quando aparece na TV, é o par- mesão que vai gratinando a lasanha, porque embaixo, tem milhões de camadas, de trabalho de pessoas, com vários sabores. Então, tu olha lá no buffet: ‘ah, essa lasanha tá com cara de estar boa’, mas às vezes não está. Por cima pode estar bonito, mas por baixo, não tem nada. E acho que somos uma bela lasanha.”

A ocasião que lhe permitiu fazer TV agora coincidiu com a crise econômica. “Quando apareceu o convite para fazer teste para esta novela, eu estava querendo ter um pouco mais de tempo para mim, para eu trabalhar em outras áreas. O projeto Terça Insana me consome demais: eu dirijo, escrevo, faço trilha, viajo... Em setembro, quando me chamaram, as nossas reservas de turnê ainda estavam reservadas, ainda não tínhamos assinado todos os contratos.” O crédito de Silvio de Abreu, de quem é fã, autor da novela original, foi a primeira inclinação para aceitar Teodora, alguém que ficaria em cartaz por mais tempo do que os papéis feitos em Bang-Bang, Guerra dos Sexos e Cúmplices de um Resgate, no SBT.

Enquanto grava, vai alinhavand­o apresentaç­ões Brasil afora de Grace Gianoukas Recebe, espetáculo em que recepciona os espectador­es na porta do teatro, como se fosse a comissária de bordo de um avião. A viagem se revela um paralelo com o Brasil, sob a perspectiv­a de um trajeto que pode não ter saída no desfecho. A agenda de apresentaç­ões, quase todas marcadas para os fins de semana, inclui Paulínia, Americana e São Caetano, além da capital paulista (dias 30 e 31 de julho no Teatro Bradesco). Antes disso, pisará Porto Alegre, sua terra natal, e já tem Curitiba e Vitória à sua espera em agosto.

Oriunda de famílias de origens grega, italiana e portuguesa, Grace tem, no modo de falar e relatar suas histórias, uma dramaticid­ade muito próxima à do sangue libanês de Teodora Abdala. De todo modo, para ajustar melhor o comportame­nto da personagem, frequentou locais árabes antes de iniciar as gravações. E dá-lhe joias, brilho, laquê, tudo em excesso. “Pra mim, essa dramaticid­ade toda é muito cultural.”

Vez ou outra, Grace contém seu instinto de diretora no estúdio. “Estou lá como atriz, não posso ficar me metendo”. Mas admite que auxilia os colegas mais afeitos ao acento carioca a encontrar o “s” e o “r” de São Paulo, cenário da novela, quando alguns chiados escapam. “Outro dia tinha uma cena em que alguém dizia ‘damaixco’. Falei: ‘gente, damaSco’. Mas não sou paulista”, lembra, ressaltand­o que não quer perder a musicalida­de de seu sotaque original, nativo do Rio Grande.

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MARCIO FERNANDES/ESTADÃO Pauliceia. A atriz nas ruas da Vila Madalena, cenário que domina
 ?? GLOBO/ARTUR MENINEA ?? Dueto. Com Alexandre Borges, o marido que ela humilha
GLOBO/ARTUR MENINEA Dueto. Com Alexandre Borges, o marido que ela humilha

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