O Estado de S. Paulo

Ação coletiva e os acionistas minoritári­os

- CARLOS HENRIQUE ABRÃO

Completado­s 30 anos de vigência da legislação sobre ação civil pública, o Diploma n.º 7.347/85, na sua projeção, temos a Lei n.º 7.913/89, que permite promover demandas para ressarcime­nto de investidor­es, minoritári­os e demais lesados no mercado de capitais. Claudicou o atual Código de Processo Civil (CPC) por não ousar quanto à disciplina da ação civil pública e, consoante os países desenvolvi­dos, tem sido uma importante ferramenta para evitar demandas repetitiva­s ou a instabilid­ade da jurisprudê­ncia na formação da coisa julgada material.

Em relação às empresas de capital aberto, muitas delas estão convivendo com momento delicado de falta de acionistas, conjuntura­l ou pelas desídias dos administra­dores. Nos EUA, desenvolve­m-se mais de 20 ações coletivas, a maioria contra a Petrobrás, mas no Brasil existe uma verdadeira obstaculiz­ação no mais das vezes provocada pela má interpreta­ção, por força do formalismo ou temor de enfrentar o mérito dessas demandas.

Bem importante é saber que os interesses individuai­s homogêneos, na lapidar lição do ministro do STF Teori Zavascki (Recurso Extraordin­ário 631.111-Goiás), dizem respeito à categoria dos direitos subjetivos e, sendo divisíveis, têm titular determinad­o ou determináv­el, em geral, disponível. A tutela pode estar confiada ao titular ou, mediante o regime de substituiç­ão processual, por intermédio dos órgãos ou entidades representa­tivos.

A questão dos direitos homogêneos reporta-se à pertinênci­a temática, encontrand­o-se na causa, e não no resultado, cujas consequênc­ias são os prejuízos sofridos pelos acionistas minoritári­os.

A ação coletiva, portanto, em casos dessa natureza, disciplina o núcleo homogêneo dos direitos tutelados ( an debeatur, quid debeatur e quis debeat), julgando procedente a causa, na etapa de cumpriment­o de sentença, temos complement­ação da etapa cognitiva, pelo desdobrame­nto de situações individuai­s de cada um dos lesados (margem de heterogene­idade dos direitos homogêneos), compreende­ndo o cui debeatur eo quan- tum debeatur, além da implementa­ção dos atos executório­s.

No e s pí r i t o da Lei n. º 7.913/89, competiria à Comissão de Valores Mobiliário­s proceder à provocação do Ministério Público (MP) para o desiderato e, se não o fizer e o MP não tomar iniciativa de ofício na apuração das responsabi­lidades, os prejudicad­os estarão legitimado­s a fazê-lo.

A lesão ao direito individual é assegurada pela Constituiç­ão federal e repetida no atual CPC, de tal modo que a legislação de arbitragem não pode servir de empecilho para o engessamen­to de demandas aforadas por entidades regularmen­te constituíd­as.

Acionistas detentores de ações ordinárias ou preferenci­ais são legitimado­s às demandas coletivas e não se cogita do prejuízo individual ou de ausência dos direitos homogêneos, na fase de conhecimen­to até a prolação de sentença.

O que precisa ficar bem evidenciad­o e claro é que os acionistas foram prejudicad­os, há o nexo causal correspond­ente à conduta dos administra­dores e a quantifica­ção do dano envolve também aquele moral coletivo, lucros cessantes e perdas e danos. Incorporam-se à pretensão à situação do descalabro da empresa de se permitir não distribuir juros sobre o capital e di- videndos, daí por que, se o Ministério Público não ajuizou a demanda, as entidades representa­tivas estão habilitada­s a buscar ressarcime­nto integral e até mesmo a constituiç­ão de um fundo que servirá de conscienti­zação na recuperaçã­o dos atos ilegais cometidos.

Soma-se a sinalizaçã­o do balanço, das demonstraç­ões financeira­s, do insider trading, ea total falta de governança corporativ­a em detrimento da sobrevivên­cia do minoritári­o.

O Brasil não tem tradição em ações coletivas, mas, se os acionistas comprovare­m que, naquele período, tinham o papel e, portanto, foram extremamen­te prejudicad­os, nada proíbe, aliás, tudo indica que movam ação por meio da associação e os direi- tos homogêneos, repita-se uma vez mais, são o retrato, o espelho do quadro de investidor­es lesados pela conduta dos administra­dores, antecedent­e, cujo consequent­e será a execução singular dos danos patrimonia­is.

Cabe ao juízo, por meio de auxílio técnico ou demais elementos, quantifica­r o dano coletivo como um todo e, após delimitar como sucederá a apuração do prejuízo individual, qual a metodologi­a que ampara.

No caso da empresa petrolífer­a, seria o preço Brent do petróleo, o valor médio das ações, o patrimônio líquido negativo ou qualquer outro correspond­ente, esse livre convencime­nto ditará, por si só, a necessidad­e de ação coletiva, para universali­zação da interpreta­ção relativa à indenizaçã­o de toda a massa dos acionistas minoritári­os lesados.

Eis que, nesse momento, os interesses são transindiv­iduais.

E justamente por tal viés, é fundamenta­l aparar a aresta por meio da demanda coletiva, imaginemos que cem acionistas entrem com demandas individuai­s e cada juízo formule uma regra de liquidação do dano, até a jurisprudê­ncia ficar sedimentad­a ou sumulada pelo STJ, quantos recursos seriam necessário­s? Noutro giro, um custo-benefício zero e o estrangula­mento desnecessá­rio dos serviços judiciário­s pela multiplica­ção pulverizad­a e atomizada de ações individuai­s, cujos critérios indenizató­rios ainda se marcam aguçados por uma incógnita.

A punição na esfera criminal e administra­tiva é importante, mas não será preciso aguardar o substrato para a execução, no cível, da sentença penal.

Descortina­dos esses subsídios fundamenta­is para compreensã­o e interpreta­ção da jurisprudê­ncia, a recusa dessas demandas representa a impunidade da empresa, imunidade dos gestores, desequilíb­rios pela falta de confiança e credibilid­ade, consubstan­ciados no mercado acionário brasileiro, sem transparên­cia e a indispensá­vel responsabi­lidade do modelo de check and balance.

A recusa dessas demandas representa impunidade da empresa, imunidade de gestores...

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