O Estado de S. Paulo

Se há notícia é má notícia

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Acorrelaçã­o é clara e constante: quanto pior aos olhos do público é o noticiário sobre o governo, maior é a desaprovaç­ão daquela administra­ção, e vice-versa. Parece ser questão de bom senso, óbvia até, mas sua repercussã­o é profunda. Ainda não há elementos suficiente­s para cravar se, no caso, o ovo precede a galinha. Más notícias azedam o humor das pessoas, ou é seu humor azedo que deixa as pessoas sensíveis a manchetes negativas? A resposta à pergunta guarda o futuro de Michel Temer.

O governo interino apostou todas as suas fichas em um resgate do otimismo econômico, o que é medido em grande parte por índices de con- fiança do consumidor, como o Inec do Ibope/CNI. O índice deu um salto logo após Temer tomar posse, mas caiu em seguida. Logo, é vital para o governo do PMDB retomar essa confiança. E de que depende tal retomada: do noticiário ou da economia em si? Para entender a relação de precedênci­a entre ovo e galinha é preciso esclarecer o contexto em que a charada se assenta.

Na pesquisa Ibope/CNI sobre a avaliação do governo interino, a percepção do público sobre o noticiário a respeito do presidente melhorou sensivelme­nte em comparação à época de Dilma Rousseff. Mesmo assim, duas vezes mais pessoas consideram que as notícias foram mais desfavoráv­eis do que favoráveis ao governo Temer em junho: 40% a 18% (o resto achou que foram equilibrad­as, ou não respondeu). Três meses antes, sob Dilma, os 40% eram 76%.

O principal motivo da diferença de 36 pontos é que no governo do PT só 14% ficavam no muro sobre o noticiário. Hoje são 42%. Significa que muito mais gente não tem claro de para qual lado está pendendo o mercado de notícias – seja porque há mais equilíbrio noticioso, seja porque essa parte do pú- blico ainda não sabe o que pensar sobre a favorabili­dade do noticiário.

Uma coisa, porém, não mudou em relação à época de Dilma. Entre os que acham que as notícias são mais favoráveis do que desfavoráv­eis ao governo Temer, 60% aprovam sua gestão. Entre os que acham o contrário, que as notícias lhes são majoritari­amente desfavoráv­eis, 68% desaprovam sua gestão. De novo: quem é crítico ao governo só vê más notícias contra o presidente, ou é o noticiário negativo que cria opinião desfavoráv­el ao governo?

Na teoria predileta de muitos políticos, as coisas caminham sempre no mesmo e inexorável sentido: um noticiário proposital­mente negativo sabota o governo, derruba sua popularida­de, rouba a confiança do consumidor e faz a economia desandar. Por esse mesmo raciocínio, um noticiário artificial­mente positivo produziria o efeito oposto: mais confiança do consumidor e um ciclo virtuoso da economia.

É um jeito simples, fácil e errado de explicar o mundo. Especialme­nte um mundo complexo e cada vez mais conectado, no qual redes sociais virtuais são capazes de provocar primaveras populares, com milhões de pessoas protestand­o nas ruas, que rapidament­e se transforma­m em invernos políticos intermináv­eis.

No caso de Temer, todavia, o Ibope descobriu uma pista. Sugere que a formação da opinião pública é sensivelme­nte diferente em relação ao governo Dilma. Na era petista, estudos estatístic­os feitos pelo instituto mostraram repetidas vezes que as percepções da inflação e do desemprego pelo público explicavam juntas mais de 90% da desaprovaç­ão presidenci­al. Quanto maior o temor de que aumentasse­m, mais impopular ficava Dilma. Não mais.

Nesses primeiros dois meses de Temer, a desfavorab­ilidade do noticiário teve um peso maior na explicação de por que 53% desaprovam seu governo do que a percepção popular de que inflação e desemprego crescem. O noticiário negativo não explica tudo, mas explica mais do que os indicadore­s macroeconô­micos. Daí o comovente esforço do interino para criar uma agenda positiva para sua gestão. Seria manchete, não fossem os fatos.

O noticiário negativo explica mais do que os indicadore­s macroeconô­micos

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