O Estado de S. Paulo

Herdeiro pode ajudar o País a sair da crise ou nos levar ao caos

-

No sistema democrátic­o de poder, no setor legislativ­o, a Câmara dos Deputados cumpre a função de representa­r o povo soberano. Embora no Brasil a soberania popular seja um mito, formalment­e os eleitores detêm a soberania, concedida por eleições aos parlamenta­res da Câmara Federal. Assim, no relativo à essência do nosso sistema político e jurídico, a instituiçã­o em pauta deveria ser a mais dig- na de acatamento e respeito, pois nela falariam os escolhidos pela cidadania. O Senado e seus membros servem como elos dos Estados reunidos em federação. Embora eleitos, os seus integrante­s não possuem a legitimida­de dos deputados. Pela dignidade de representa­r de modo direto o povo, o presidente da Câmara é o primeiro na linha de sucessão à Presidênci­a da República, o mais elevado cargo do País. Antes dele, apenas o vice-presidente eleito.

Dada a deformação congênita de nosso Estado, nada federativo, mas perene usurpação ditatorial do Executivo, inclusive e sobretudo em matérias legais (veja-se o escândalo das medidas provisória­s), a missão dos deputados há muito se degradou: em vez de repre- sentar o povo, eles reúnem lobbies que defendem alvos privados ou oligarquia­s regionais. A hegemonia do Executivo é paga com nacos significat­ivos do Orçamento e dos cargos públicos, o que torna uma farsa a ideia de maioria parlamenta­r. Praticamen­te todos os presidente­s da República precisaram pagar pela suposta onipotênci­a da sua magistratu­ra. O mensalão e outros procedimen­tos apenas foram transforma­dos em sistema nos últimos tempos, visto que a compra de apoio parlamenta­r existe desde longa data.

Ninguém, melhor do que Eduardo Cunha, soube aproveitar as fragilidad­es da Presidênci­a da República para uso próprio e partidário. Ele mostrou que, tendo sob suas ordens uma tropa interessei­ra de parlamenta- res, muitos estragos poderiam advir aos que se instalam no Executivo, sejam eles titulares ou substituto­s. O estrago que ele causou no equilíbrio dos Poderes será notado nos próximos anos. A escolha de seu sucessor é cheia de perigos para o Estado e a sociedade. O herdeiro poderá ajudar o País a sair da crise que o corrói, ou nos levar mais claramente ao caos. Convenhamo­s: fora Ulysses Guimarães, desde 1988 a Câmara não teve um político à altura da dignidade do cargo. A feira e o mercadejo montados para a sucessão de Cunha poucas esperanças trazem ao “povo soberano”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil