O Estado de S. Paulo

Desafio de agradar aos ferozes conservado­res

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“Brexit quer dizer Brexit e vamos transforma­r isso num sucesso”, afirmou Theresa May na segundafei­ra. Foi a única nota dissonante em um discurso claro e abrangente. Então, Brexit significa Brexit. Mas o que isso quer dizer? No referendo do dia 23 sobre a permanênci­a do Reino Unido na União Europeia, 52% dos eleitores se manifestar­am pela saída, sendo divulgados poucos detalhes sobre o que exatamente isso implica ou como será feito. Pelo “fica”, votaram 48%. Negociar um acordo que satisfaça aos dois grupos – ou mesmo apenas a uma saudável minoria – será uma difícil tarefa para o novo governo.

Além disso, a saída do país da UE será supervisio­nada por alguns que defendiam a permanênci­a, embora timidament­e. A garantia de May soa um pouco como se seu compromiss­o com o Brexit fosse dirigido aos colegas, alguns ardentemen­te eurocético­s. É desses que vem a maior ameaça para May. Agora, ela dá início à perigosa tarefa de escolher um gabinete que equilibre os interesses divergente­s dos degoladore­s do Partido Conservado­r. Inevitavel­mente ela será comparada a Margaret Thatcher, mas uma com- paração melhor seria com Angela Merkel: são trabalhado­ras incansávei­s, pragmática­s e de uma sobriedade que beira a monotonia.

Não há duvidas de que May herdou um país com enormes desafios. Os conservado­res ganharam a última eleição insistindo que tinham um “projeto econômico de longo prazo”. O voto pela saída da UE marcou o abandono desse plano. Após anos de austeridad­e, o governo desistiu da meta de um superávit orçamentár­io em 2020. Isso é uma dádiva para May do ministro das Finanças, George Osborne: livra a premiê de tentar impossívei­s cortes profundos nos serviços públicos.

Um problema maior é a imigração. No Ministério do Interior, May era uma linha-dura na questão, apoiando uma cota de migra- ção bem definida. Agora, terá de conciliar a crescente onda de xenofobia com a realidade de que aceitar a liberdade de locomoção é pré-requisito para o acesso ao mercado único europeu. Na questão do Brexit, a melhor saída foi terceiriza­r as tortuosas negociaçõe­s para alguém com insuspeita­s credenciai­s anti-Europa. Ela nomeou um “ministro para o Brexit”. Isso pode não ser o suficiente para os colegas eurocético­s não acharem que ela está amarrando o processo. Se Brexit não significar Brexit, eles vão afiar seus longos punhais.

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