O Estado de S. Paulo

Black Lives Matter é uma causa global

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Sob muitos aspectos, o furor da população pelas mortes provocadas pela ação da polícia nos Estados Unidos é, e continuará sendo, uma história especifica­mente americana. Poucas entre as principais nações ocidentais sofrem a epidemia de violência das armas que existe nos EUA. Poucas entre as principais nações ocidentais podem competir com a história de racismo sistemátic­o profundame­nte enraizado existente nos EUA. E poucas superaram o número de mortes por policiais, e de policiais, que existe nos EUA.

Mas, como mostram os acontecime­ntos dos últimos dias, a linguagem e a política do movimento Black Lives Matter (vidas negras importam) têm tido enormes repercussõ­es globais. Protestos inspirados pela solidaried­ade ocorreram na Grã-Bretanha, Alemanha, Holanda e Canadá.

No domingo, em Londres, o Washington Post observou: “As multidões tomaram Oxford Street, Brixton High Street e Westminste­r, com cartazes que diziam: ‘Faço isso por meu irmão’ e ‘Não à polícia racista’”.

As razões desta simpatia do outro lado do oceano talvez não sejam imediatame­nte aparentes. Como o diretor de redação do Washington Post de Londres, Griff White, observou um ano atrás, a polícia da Grã-Bretanha só matou duas pessoas nos três últimos anos. “Menos do que a média do número de pessoas feridas e mortas pela polícia todos os dias nos Estados Unidos, nos primeiros cinco meses de 2015, segundo uma análise do Washington Post”, escreveu.

Na semana passada, as atenções dos EUA se voltaram para o assassinat­o de cinco policiais pelas mãos de um atirador, que escolheu seus alvos durante uma marcha de protesto do movimento Black Lives Matter em Dallas. O audacioso ataque ocorreu após dois incidentes separados em que policiais brancos balearam homens negros em circunstân­cias suspeitas.

“A campanha presidenci­al que convulsion­a o país há mais de um ano agora parece repen- tinamente um assunto menor diante dos fatos chocantes ocorridos em Dallas, na Louisiana e em Minnesota e das divisões raciais que voltaram a expor”, escreveu Dan Balz do Post.

O número de americanos negros mortos pela polícia é 2,5 vezes maior que o dos americanos brancos. E isso está acontecend­o agora – independen­temente dos séculos de sistemátic­os abusos raciais que definem a experiênci­a americana, e afrontaram gerações anteriores de manifestan­tes. Black Lives Matter é um argumento que infelizmen­te ainda precisa ser debatido.

Em um ano que viu a própria Europa convulsion­ada pelo sucesso de correntes políticas de extrema direita e novas versões de nacionalis­mo míope, este tipo de reação – para minimizar as vozes que se levantam das margens como antiameric­ana, antibritân­ica antieurope­ia – é bastante familiar.

“Estas pessoas, que vêm aqui para ficarem unidas, estão mostrando que rejeitam a brutalidad­e da polícia e esta é a coisa mais importante”, disse a um jornal local Maryam Ali, uma das principais organizado­ras do Black Lives Matter, de Londres. E acrescento­u: “Acho que as pessoas se esque- cem que o racismo ainda predomina em muitos países. Em última análise, este é um pedido de socorro”.

Um cartaz que Lindsey Bever do Post viu no protesto, dizia: “Sim, todas as vidas são importante­s, mas neste momento estamos preocupado­s com as dos negros. Certo? Porque é muito evidente que nosso sistema judiciário desconhece isso. Além do mais, se você não enxerga por que estamos gritando #blacklives­matter você é uma parte do problema”. O movimento encontrou apoio no exterior desde que decolou nos EUA nos últimos anos. Estudantes ativistas da África do Sul recentemen­te fizeram um protesto na frente do consulado americano da Cidade do Cabo. No fim de semana, uma nova imagem icônica de uma mulher protestand­o em Baton Rouge enquanto era presa pela polícia ganhou divulgação global. “Alguns a compararam a uma Estátua da Liberdade moderna, guiando um país profundame­nte dividido no caminho certo”, disse Michael E. Miller do Post. “Mas também suscitou a comparação com o famoso chinês diante de um tanque em 1989 na Praça Tiananmen.”

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