O Estado de S. Paulo

Parrilla global

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Você puxa o cardápio-prancheta engenhosam­ente aninhado nos cantos da mesa de madeira clara e dá a volta ao mundo em três páginas: de cara, bate com um bife ancho que vem com tempero cajun (do sul dos EUA) e com o clássico supremo francês béarnaise ao chimichurr­i, tradiciona­l mistura de ervas argentina. Desce os olhos e descobre prime rib com molho de cacau, flat-iron steak com tempero coreano, ou rabada com molho agridoce vietnamita. Passa pelos hambúrguer­es e seus blends, chega aos acompanham­entos como coleslaw thai, purê de mandioquin­ha com queijo espanhol e canastra ou quinoa com gorgonzola. Espia ainda o cheesecake brûlé ou “awesome cookie” de sobremesa. O restaurant­e tem um nome dinamarquê­s – Kød (carne).

Você devolve a tábua ao escaninho, repara nas paredes de tijolo aparente, no piso de ladrilho hidráulico hexagonal, nas lâmpadas pendentes. Você ouve a música alta, é interpelad­o por garçons jovens, de preto. Sopra um vento globalizan­te, você paira sobre o Brooklyn nova-iorquino e logo é devolvido a Pinheiros.

Vem água filtrada, cortesia da casa – brindemos! – à mesa. Aí se você pede os hambúrguer­es, tem altas chances de se dar bem. Os discos de carnes vêm no “ponto da casa”, que vem a ser o ponto correto, bem vermelho no miolo, em suave sfumato rumo ao marrom acinzentad­o das bordas; guardam umidade e textura. Os sanduíches cumprem com desassombr­o a primeira função de um sanduíche: parar inteiro na sua mão. E as coisas que vão dentro deles além da carne, como os queijos, os picles, as maioneses são bem escolhidos e tratados. O Adão – de costela (a-ha!) – com queijo canastra, cebola carameliza­da, rúcula e maionese de alho e o Hendrix – mistura de carne da casa – com cheddar, picles, cebola, maionese de dill e luxuriosas tiras de bacon são minhas recomendaç­ões.

Mas, se você pede só o hambúrguer, bem montado e proporcion­ado, sairá com fome. É boa ideia escolher uns acompa- nhamentos, como os bacon bids ou as batatas fritas (na versão normal, melhor que a de picles ou empanada em panko).

O Kød, porém, não é só uma casa de hambúrguer­es. Tem uma churrasque­ira que se dá a ver no fundo do salão. É estilo parrilla, com um fogo no centro, que gera as brasas, que são puxadas para o lado, para baixo das grelhas. Famosos cortes da parte traseira – ancho, primerib e t-bone – vão parar lá e aí sobra pouca margem de erro quando a carne é de qualidade, como é o caso. Numa das visitas, no entanto, pedi prime rib ao ponto para mal passado, o garçom disse que o “ponto da casa” daria conta do recado. Confiei. Recebi uma peça saborosa, mas ao ponto para bem passada.

Da parrillada com bochecha (crestada), língua (insossa) e timo, só este último, a molleja, não faria feio numa mesa nas duas margens do rio de la Plata. A rabada na grelha também instiga a curiosidad­e, você pede, mas quando ela chega reconhece que o lugar do colagenoso corte é mesmo banhado em caldo, num guisado, e não sobre brasas nem com um molhinho ralo vietnamita.

Você então encerra a refeição. As três carolinas recheadas com ganache com gim, vermute e Campari são boas, mas vêm num prato enfeitado com o maneirismo da vez, uma pincelada de calda de chocolate. O Kød tem boas ideias, bons hambúrguer­es, um espírito – e tempo pela frente para maturar e afinar sua cozinha e seu salão.

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO É brasa. Os hambúrguer­es são bem montados

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