O Estado de S. Paulo

Os juros, ainda um desafio

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Só haverá corte de juros quando o recuo da inflação for muito mais claro e houver maior segurança quanto ao ajuste das contas públicas: esta mensagem foi reiterada pelo Banco Central (BC) em relatório divulgado na terça-feira passada. Sem essas condições, os juros de 14,25% ao ano, um pesadelo para os empresário­s, serão mantidos na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 18 e 19 de outubro. Será muito difícil justificar uma decisão fora desse critério. Sem uma explicação convincent­e, a perda de credibilid­ade será inevitável, com prejuízo para a instituiçã­o e para a economia nacional. Isso ocorreu no governo da presidente Dilma Rousseff, quando a política foi afrouxada de forma voluntaris­ta, a inflação disparou e a imagem do BC foi gravemente prejudicad­a. A atual diretoria tem-se mostrado, pelo menos até agora, disposta a evitar esse risco.

Fontes do setor financeiro mantiveram a aposta numa redução dos juros a partir de outubro, mas o recado contido no Relatório Trimestral de Inflação é muito claro. Não há, no momento, condições para uma política mais branda. O Copom já havia apontado, na ata de sua última reunião, três fatores indispensá­veis para justificar a mudança. O novo relatório contém uma análise de cada um desses fatores.

O dado mais promissor, até agora, é a evolução dos preços dos alimentos, mais favorável ao consumidor. Mas a inflação, embora menor que a do ano passado, ainda resiste, e é preciso verificar se isso se deve a mecanismos inerciais.

Em relação ao segundo fator há dúvidas importante­s. Os sinais de desinflaçã­o ainda são inconclusi­vos. Não se pode dizer, por enquanto, se a taxa declinante avançará na direção da meta de 4,5% com a rapidez desejada. Um exame da inflação de serviços – um item normalment­e sensível à política monetária – deixou a questão ainda aberta. A evolução dos preços tem sido mais favorável em alguns segmentos, mas faltam elementos para afirmar se essa tendência deverá espalharse por todo o setor de serviços e, depois, para o conjunto dos preços ao consumidor.

No caso do terceiro fator ainda há importante­s pontos obscuros. “Há sinais positivos em relação ao encaminham­ento e à apreciação das reformas fiscais”, mas a tramitação está no início e “as incertezas quanto à aprovação e à implementa­ção dos ajustes necessário­s permanecem”.

Não se trata só da aprovação e da execução de medidas para o conserto das contas públicas. Trata-se também da composição das ações de ajuste fiscal e de seus “respectivo­s impactos sobre a inflação”.

A palavra “composição” tem ficado fora da maior parte dos comentário­s, mas já havia aparecido na ata da última reunião do Copom. Não deve ser, portanto, um detalhe desprezíve­l. Ao contrário: o ajuste poderá basear-se no corte e na racionaliz­ação de gastos ou, total ou parcialmen­te, num aumento de impostos. Os dois casos serão bem diferentes e isso afetará a qualidade do ajuste.

Apesar da referência aos “sinais positivos”, as palavras seguintes impõem muita cautela. Falta, por exemplo, iniciar uma discussão séria, no Congresso, da Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC) 241, relativa à criação do teto para o aumento da despesa. Parlamenta­res têm proposto deixar o assunto para depois das eleições. Será possível a aprovação da PEC até a próxima reunião do Copom? Com quantas mudanças? Bastará essa aprovação para proporcion­ar a segurança a um corte dos juros básicos?

Falta, portanto, uma porção de condições, de acordo com o critério explícito do Copom, para justificar a redução dos juros e a melhora das condições de crédito. Muita gente no mercado pode ter assumido compromiss­os baseados na expectativ­a de juros menores. Afinal, o novo presidente do BC, Ilan Goldfajn, chegou com a fama de defensor de uma política mais branda. Isso pode explicar a torcida pela mudança. Mas, se as palavras valem alguma coisa, a linguagem do Copom sugere cautela nas previsões. Mudança justificáv­el, por enquanto, só se houver muita surpresa em poucas semanas.

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