O Estado de S. Paulo

O patriota que acreditava na paz

- YOSSI BEILIN

Shimon Peres era um otimista. Não dos que acreditam que no fim tudo vai dar certo, mas dos que acham que se você fizer tudo certo poderá mudar a situação para melhor. Não um sonhador, um visionário, mas um político astuto que sabia o que queria e como chegar lá.

Quando o conheci, pareceu-me óbvio que tivesse uma agenda política, mas levei algum tempo para entender que isso não era comum. Hoje, posso testemunha­r: a maioria dos políticos chega ao cargo simplesmen­te para estar lá. Quando alguém pergunta por que fazem política, respondem com generalida­des do tipo “para melhorar o país”. Peres, no entanto, estava na política com um objetivo: garantir que Israel estivesse seguro, criando para isso os melhores meios de defesa e ao mesmo tempo promovendo um relacionam­ento pacífico com os vizinhos.

Quando jovem, Peres era considerad­o um tecnocrata. Pertencia à geração nascida nos anos 20 que havia se cansado da ideologia socialista da geração de David Ben-Gurion. A geração de Peres se orgulhava do pragmatism­o. Quando ficou bem mais velho, passou a ser considerad­o um sonhador, até mesmo um ingênuo. Nos anos 60, não estava preparado para usar o rótulo “social-democracia” na plataforma do Partido Trabalhist­a israelense, mas em 1978 tornou-se vice-presidente da Internacio­nal Socialista. Nos anos 70 foi um obstinado apoiador dos assentamen­tos nos território­s ocupados. Mais tarde, como líder do Partido Trabalhist­a e da oposição, passou a criticar os assentamen­tos. Muitos, então, o viram como traidor. Yigal Amir, o assassino do premiê Yitzhak Rabin, declarou que seu alvo seguinte seria Peres.

Nos anos 90, quando contei a Peres – eu era seu vice no Ministério das Relações Exteriores – meus esforços para negociar um acordo provisório com a Organizaçã­o pela Libertação da Palestina (OLP) em Oslo, ele poderia facilmente ter-me dito que isso era operação desonesta, feita sem sua autorizaçã­o. No entanto, abraçou a ideia e foi pedir a Rabin sinal verde para o projeto, que acreditou ser de interesse nacional de Israel.

Sua visão do país era diferente da minha. Nasci em Israel algumas semanas depois de sua criação; ele estava lá desde que a nação estava no berço. Para mim, as conquistas militares e econômicas de meu país, bem como seu sucesso em absorver duas vezes mais imigrantes judeus que sua população original em 1948, eram um fato natural; para ele, tudo isso era uma espécie de milagre. Se meu amor por Israel era o de um filho, o dele era o de um pai que admira tudo o que o filhinho faz – incluindo coisas não objetivame­nte dignas de admiração.

Tínhamos nossas diferenças. Para mim, era difícil entender por que ele achou que assentamen­tos ilegais nos território­s ocupados poderiam contribuir para nossa segurança. Fui totalmente contra o Partido Trabalhist­a unir-se ao governo de Ariel Sharon – o pai dos assen- tamentos. Mas eu sabia que mesmo essa amarga colisão não era, para ele, coisa pessoal. Peres acreditava profundame­nte que se juntar ao governo era o único modo de salvar Israel do tipo de governo de ultradirei­ta que temos hoje.

Peres era mais sábio que a maioria das pessoas que conheço. Tinha um grande senso de humor, até sobre si mesmo. Sua autoconfia­nça nunca beirava a presunção e lhe permitia tomar decisões ousa- das, como o plano econômico de 1985, que salvou Israel da inflação descontrol­ada, ou sair do Líbano, já que não conseguíam­os encontrar um parceiro libanês para um acordo. O neto de Ben-Gurion uma vez me disse que, para ele, o avô foi o mais importante líder israelense, mas Peres foi o melhor premiê, porque era, ao mesmo tempo, um visionário e um executivo que sabia atingir seus objetivos. Estava certo.

Peres teve uma vida cheia de conquistas, apesar das muitas dificuldad­es que enfrentou. Pouco antes de ser presidente, visitou Nova York. Uma noite, ao entrar num teatro da Broadway com amigos, foi aplaudido de pé. No início, não entendeu bem o que estava acontecend­o – achou que a plateia estivesse aplaudindo os atores, embora a peça ainda não tivesse começado. Então, viu que os aplausos eram para ele. Shimon Peres, o “Senhor Segurança”, o patriota israelense que acreditava na paz, sem dúvida mereceu aquilo.

A autoconfia­nça de Peres nunca beirava a presunção e permitia tomar decisões ousadas

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