O Estado de S. Paulo

Miopia na reforma da CLT

- PAULO PAIVA

Nos dois anos que lhe restam, a principal tarefa do governo Temer será o encaminham­ento de soluções eficazes para superar a grave crise que levou o País à estagflaçã­o.

O presidente optou, corretamen­te, pela construção de um novo regime fiscal para reconquist­ar a confiança e retomar o cresciment­o da economia, com base em três reformas constituci­onais: a extensão até 2023 da Desvincula­ção das Receitas da União (DRU), abrangendo também Estados e municípios, já aprovada; a fixação de teto global para os gastos públicos nos próximos 20 anos, em discussão no Congresso Nacional; e a reforma da Previdênci­a Social, a ser encaminhad­a em breve. São temas complexos, que exigem aprovação de 2/3 dos parlamenta­res em duas votações separadas nas duas Casas.

Várias outras demandas brotam de diferentes setores da sociedade, que veem na nova administra­ção o início de outra era. É no bojo destas abrangente­s e difusas ideias que surgem propostas de reforma da Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), prometidas pelo ministro do Trabalho para o segundo semestre de 2017. Contudo, seus propósitos não estão claros. Não se sabe se o governo pretende fortalecer as negociaçõe­s coletivas, ressuscita­ndo projeto de lei do segundo governo FHC, arquivado no início do governo Lula, propondo a “prevalênci­a do negociado sobre o legislado”, ou se quer reduzir os custos de mão de obra, ou, ainda, se visa a estimular a geração de empregos com uma legislação mais flexível.

Se seu objetivo for o fortalecim­ento das negociaçõe­s coletivas, basta verificar que a Emenda Constituci­onal 45, de 2004, que ampliou o escopo do poder normativo da Justiça do Trabalho, estimula a livre negociação ao limitar o ajuizament­o de dissídio coletivo de natureza econômica ao comum acordo entre as partes (§ 2.º do art. 114 da Constituiç­ão).

Se seu objetivo for a contenção dos custos de mão de obra, pode-se observar que o inciso VI do art. 7.º da Constituiç­ão, que trata da irredutibi­lidade do salário, possibilit­a sua redução, quando disposto em convenção ou acordo coletivo. Nessa condição, todos os custos que incidem sobre os salários serão proporcion­almente reduzidos.

Há, ainda, a possibilid­ade de coordenaçã­o de negociaçõe­s salariais com negociaçõe­s sobre participaç­ão dos trabalhado­res em lucros e resultados (Lei 10.101/2000), oferecendo condições para submeter os ganhos efetivos dos empregados ao seu desempenho, e não à sua remuneraçã­o fixa.

Se seu objetivo for flexibiliz­ar a jornada de trabalho, é facultada a compensa- ção de horários e a redução da jornada, por meio de acordo ou convenção coletiva, desde que respeitado­s os limites constituci­onais (art. 7.º, inciso XIII, da Constituiç­ão).

Ademais, a Lei 9.601/98, de iniciativa do governo FHC, que alterou o art. 59 da CLT, estabelece critérios para compensaçã­o de horas (banco de horas) mediante acordo ou convenção coletiva.

Por fim, carece de base empírica a afirmação de que mudar a CLT por si só resulta em novas contrataçõ­es de trabalhado­res. O que determina a geração de empregos é o cresciment­o econômico. A evidência é irrefutáve­l, como mostra o desempenho do mercado formal de trabalho entre 2004 e 2011.

Não obstante, considero a atualizaçã­o da legislação trabalhist­a extremamen­te relevante e crucial para aumentar a eficiência do mercado de trabalho. Todavia, seu foco principal devem ser a eliminação da unicidade e do imposto sindicais e a revisão do escopo do poder normativo da Justiça do Trabalho, o que bate de frente com poderosos interesses corporativ­os das representa- ções sindicais de trabalhado­res e patronais e de parte do Poder Judiciário. Não é tarefa para governo transitóri­o, sem grande apoio popular.

A conclusão da votação de projeto de terceiriza­ção seria suficiente para a agenda parlamenta­r do atual governo. Outras propostas de reforma da legislação trabalhist­a, sem objetivos claros e justificad­os, contribuir­ão para aumentar a resistênci­a à urgente construção de um novo regime fiscal, sem ganhos significat­ivos para a economia.

Cabe, enfim, ao breve governo Temer criar ambiente econômico estável para que trabalhado­res e empregador­es construam livremente soluções negociadas em suas relações, no contexto da legislação vigente.

A conclusão da votação de projeto de terceiriza­ção seria suficiente para a agenda parlamenta­r do atual governo

O colunista Celso Ming está em férias.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil