O Estado de S. Paulo

Geração de valor público: a hora e a vez

- SANDRO CABRAL E SERGIO LAZZARINI

Que a qualidade dos serviços públicos no Brasil deixa muito a desejar não restam dúvidas: em geral, entrega-se mal e com altos custos. Uma das principais causas apontadas para o problema é a “gestão”, ou sua ausência. De fato, nas últimas décadas muito se falou sobre a “nova gestão pública”, envolvendo ênfase em metas, processos e acompanham­ento de resultados. Porém, muitas vezes o termo é usado de forma ampla e genérica, como se carregasse em si um potencial de cura capaz de sanar todos os problemas existentes.

Como professore­s em cursos de graduação e pós-graduação em Administra­ção, bem sabemos do impacto da boa e adequada gestão sobre o desempenho organizaci­onal e para a geração de valor público. No entanto, acreditamo­s que é preciso maior aprofundam­ento sobre o tema, justamente para que se possa identifica­r quais aspectos levam a resultados desejados (e indesejado­s também). Dito de outra forma, é preciso que sejamos capazes de compreende­r os mecanismos que levam, por exemplo, um hospital a diminuir a taxa de retorno de seus pacientes após internaçõe­s, uma escola a apresentar melhores indicadore­s de aprendizad­o e de evasão, ou, ainda, o que explica alguns Estados reduzirem os índices de criminalid­ade e outros, não.

O reconhecim­ento dos fatores que levam a melhor (ou pior) desempenho, via de regra, demanda o exame rigoroso de dados históricos das experiênci­as e das diversas condições presentes ao longo do tempo. Nessa linha, pesquisado­res da área de Administra­ção e Economia têm se debruçado sobre os dados e revelado algumas pistas. Por exemplo, em trabalho conjunto com Paulo Furquim de Azevedo sobre os determinan­tes do desempenho no sistema prisional brasileiro, verificamo­s que as unidades prisionais geridas em regime de cogestão com a iniciativa privada têm resultados superiores em indicadore­s de segurança e ordem e de serviços oferecidos aos internos, em comparação a unidades totalmente geridas pelo setor público. No estudo, um mecanismo gerencial mostrou-se relevante: a flexibilid­ade de operação privada, necessária à rápida resposta às demandas, junto com intensa supervisão pública para evitar que a concession­ária privada busque melhorar seus custos em detrimento dos padrões exigidos de qualidade.

Igualmente, aspectos gerenciais são fatores essenciais na área de educação, que há muito desenvolve­u indicadore­s mais precisos para avaliar o desempenho dos alunos em provas e seu fluxo no sistema (isso é, se são reprovados e evadem). Estudos têm mostrado o impacto decisivo de práticas gerenciais nas escolas. Por exemplo, o programa Jovem de Futuro, patrocinad­o pelo Instituto Unibanco, tem provido recursos para apoiar práticas de gestão num grupo de escolas selecionad­as aleatoriam­ente, comparadas a um grupo de escolas sem essa iniciativa (o chamado “grupo de controle”). Análises feitas pelo professor Ricardo Paes de Barros e equipe indicam que o programa tem consistent­emente gerado maior aprendizad­o dos alunos, além do obtido nas escolas no grupo de controle.

Eis, então, a necessária abordagem na gestão pública: foco em gestão não só em termos de processos e metas, mas também em medição de impacto efetivo, se possível comparando unidades que receberam e não receberam uma determinad­a intervençã­o. Essa análise permite inferir sobre o valor público adicionado por um dado projeto e comparar, de maneira mais rigorosa, as diferentes formas para prover um serviço público (por exemplo, via gestão totalmente pública ou em parceria com gestores privados e investidor­es).

Mas aqui não basta o domínio de técnicas avançadas de análise de dados. É preciso que políticos e gestores públicos não tenham medo de ser avaliados e abram as portas das agências governamen­tais para que pesquisado­res possam realizar análises conclusiva­s e, naturalmen­te, passíveis de serem refutadas. Só assim poderemos compreende­r o verdadeiro impacto de novas iniciativa­s propostas e suas reais implicaçõe­s para a geração de valor público.

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