Geração de valor público: a hora e a vez
Que a qualidade dos serviços públicos no Brasil deixa muito a desejar não restam dúvidas: em geral, entrega-se mal e com altos custos. Uma das principais causas apontadas para o problema é a “gestão”, ou sua ausência. De fato, nas últimas décadas muito se falou sobre a “nova gestão pública”, envolvendo ênfase em metas, processos e acompanhamento de resultados. Porém, muitas vezes o termo é usado de forma ampla e genérica, como se carregasse em si um potencial de cura capaz de sanar todos os problemas existentes.
Como professores em cursos de graduação e pós-graduação em Administração, bem sabemos do impacto da boa e adequada gestão sobre o desempenho organizacional e para a geração de valor público. No entanto, acreditamos que é preciso maior aprofundamento sobre o tema, justamente para que se possa identificar quais aspectos levam a resultados desejados (e indesejados também). Dito de outra forma, é preciso que sejamos capazes de compreender os mecanismos que levam, por exemplo, um hospital a diminuir a taxa de retorno de seus pacientes após internações, uma escola a apresentar melhores indicadores de aprendizado e de evasão, ou, ainda, o que explica alguns Estados reduzirem os índices de criminalidade e outros, não.
O reconhecimento dos fatores que levam a melhor (ou pior) desempenho, via de regra, demanda o exame rigoroso de dados históricos das experiências e das diversas condições presentes ao longo do tempo. Nessa linha, pesquisadores da área de Administração e Economia têm se debruçado sobre os dados e revelado algumas pistas. Por exemplo, em trabalho conjunto com Paulo Furquim de Azevedo sobre os determinantes do desempenho no sistema prisional brasileiro, verificamos que as unidades prisionais geridas em regime de cogestão com a iniciativa privada têm resultados superiores em indicadores de segurança e ordem e de serviços oferecidos aos internos, em comparação a unidades totalmente geridas pelo setor público. No estudo, um mecanismo gerencial mostrou-se relevante: a flexibilidade de operação privada, necessária à rápida resposta às demandas, junto com intensa supervisão pública para evitar que a concessionária privada busque melhorar seus custos em detrimento dos padrões exigidos de qualidade.
Igualmente, aspectos gerenciais são fatores essenciais na área de educação, que há muito desenvolveu indicadores mais precisos para avaliar o desempenho dos alunos em provas e seu fluxo no sistema (isso é, se são reprovados e evadem). Estudos têm mostrado o impacto decisivo de práticas gerenciais nas escolas. Por exemplo, o programa Jovem de Futuro, patrocinado pelo Instituto Unibanco, tem provido recursos para apoiar práticas de gestão num grupo de escolas selecionadas aleatoriamente, comparadas a um grupo de escolas sem essa iniciativa (o chamado “grupo de controle”). Análises feitas pelo professor Ricardo Paes de Barros e equipe indicam que o programa tem consistentemente gerado maior aprendizado dos alunos, além do obtido nas escolas no grupo de controle.
Eis, então, a necessária abordagem na gestão pública: foco em gestão não só em termos de processos e metas, mas também em medição de impacto efetivo, se possível comparando unidades que receberam e não receberam uma determinada intervenção. Essa análise permite inferir sobre o valor público adicionado por um dado projeto e comparar, de maneira mais rigorosa, as diferentes formas para prover um serviço público (por exemplo, via gestão totalmente pública ou em parceria com gestores privados e investidores).
Mas aqui não basta o domínio de técnicas avançadas de análise de dados. É preciso que políticos e gestores públicos não tenham medo de ser avaliados e abram as portas das agências governamentais para que pesquisadores possam realizar análises conclusivas e, naturalmente, passíveis de serem refutadas. Só assim poderemos compreender o verdadeiro impacto de novas iniciativas propostas e suas reais implicações para a geração de valor público.