O Estado de S. Paulo

Dilemas da idade mínima

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OPSDB cedeu e agora a reforma da Previdênci­a só sai dos gabinetes do Planalto para o Congresso depois das eleições. Exatamente como queria parte substancia­l do PMDB. A justificat­iva é que a proposta de mudanças está praticamen­te fechada, mas ainda precisa de ajustes. O governo sabe, porém, que, mesmo escapando do calor da campanha eleitoral, a batalha está apenas começando. Pressão das ruas e da oposição, divisão entre os próprios aliados, primeiros ruídos da sucessão presidenci­al em 2018, tudo isso deve conspirar para que a batalha seja longa e difícil.

Pelas informaçõe­s disponívei­s, o centro da proposta é a fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentado­ria de homens e mulheres, combinada com uma contribuiç­ão mínima de 25 anos. Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 seriam enquadrado­s nas novas regras. Trabalhado­res mais velhos teriam um regime especial de transição. Agora surge a novidade da incorporaç­ão de um gatilho, para alterar a idade mínima com base em mudanças na expectativ­a de vida da população, o que significar­ia, num prazo mais longo, a possibilid­ade de um piso superior aos 65 anos.

O argumento para esse corte em 65 anos é justamente o aumento da expectativ­a de vida do brasileiro, que está em 75,2 anos – e, por tabela, o aumento do tempo produtivo dos trabalhado­res. Com essa mudança na Previdên- cia, o Brasil estaria se alinhando às regras adotadas em outros países. Entre os chamados países ricos, a idade mínima é, em geral, de 65 anos. Na maior parte da América do Sul, é um pouco mais baixa, mas atinge 65 na Argentina e Chile.

O governo tem insistido que as chamadas aposentado­rias precoces, além de representa­rem uma distorção, criam um sobrepeso nas contas públicas, tornando o ajuste fiscal quase uma tarefa de “enxugar gelo”. Pouco se tem falado, contudo, sobre o impacto po- tencial dessas mudanças no mercado de trabalho. As empresas estão preparadas e – principalm­ente – estão interessad­as nessa mão de obra da “terceira idade”?

Com base nas estatístic­as do IBGE, é possível acompanhar como se movimenta essa faixa da população no mercado de trabalho. Do primeiro trimestre de 2012 para o segundo trimestre de 2016, a faixa de quem tem 60 anos ou mais passou de 15,9% para 17,9% do total de pessoas em idade de trabalhar (acima de 14 anos). No universo dos ocupados, a proporção da turma de 60 anos ou mais saiu de 6,3% para 7,1% no mesmo período. E, segundo especialis­tas, essa evolução pode se intensific­ar, com o envelhecim­ento da população.

Na verdade, grande parcela dos aposentado­s empenha-se para continuar na ativa. E por um motivo simples. O valor do benefício recebido é baixo e o salário na velha (ou nova) ocupação funciona como complement­o de renda. Nas faixas de menor remuneraçã­o, essa situação é ainda mais presente, já que a entrada no mercado de trabalho costuma ocorrer mais cedo e a aposentado­ria também vem mais cedo. Vale manter o trabalho registrado em carteira ou até algum tipo de ocupação informal, para fugir da continuida­de do des- conto em folha do INSS. Os cálculos são de que um quarto a um terço dos aposentado­s continue a exercer algum tipo de atividade remunerada.

Mas nem sempre essa disposição – ou essa necessidad­e – do trabalhado­r é atendida pelo mercado. Principalm­ente no topo da pirâmide dos empregos. Aí ocorre exatamente o inverso. Exigência de atualizaçã­o tecnológic­a constante, aliada à necessidad­e de enxugament­o dos salários reais e do passivo trabalhist­a, principalm­ente em tempos de crise, leva a uma aceleração na chamada “troca de gerações” dentro das empresas. Regras formais e informais de grandes companhias costumam patrocinar essa aceleração.

Pelo menos num período de transição, tudo indica que haverá um certo descompass­o entre oferta e demanda de mão de obra. Se a reforma da Previdênci­a vingar, a tendência é de pressão na oferta de trabalhado­res com mais idade. A demanda, no entanto, talvez não siga na mesma direção.

Reforma estica tempo de trabalho da população, mas pode esbarrar no mercado

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