O Estado de S. Paulo

Reação química

Como a alemã Basf, maior empresa do setor químico no mundo, estimula a inovação

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Ao longo da margem esquerda do rio Reno, ao sul de Frankfurt, garças e cormorões rodopiam no ar enquanto barcaças atracam no porto de Ludwigshaf­en. A cidade abriga o maior polo químico do mundo, com mais de dez quilômetro­s quadrados. Ruas com nomes como Ammoniak, Sulfat, Methanol são tingidas pelas cores de dutos que se estendem por 2.850 quilômetro­s, interligan­do tudo como se fossem artérias: vermelho para vapor, amarelo para gás, verde para água. Reza a lenda que, no Ocidente, a maior parte das pessoas põe as mãos em pelo menos um produto da Basf antes de sair de casa.

A Basf é a maior empresa química do mundo, e uma das maiores do setor industrial europeu. Mas, como sua produção é absorvida por outras empresas, como BMW, Nestlé e Procter & Gamble, os consumidor­es não ouvem muito falar dela. E a companhia tampouco se preocupa em falar muito de si. “Faremos de tudo para que a imprensa continue a nos achar espetacula­rmente desinteres­santes”, disse o CEO Kurt Bock no ano passado, durante a comemoraçã­o do 150.º aniversári­o da empresa. No entanto, há dois fatores que fazem valer a pena acompanhar os passos da gigante alemã: o enorme impacto, tendo em vista seu porte, de tudo que ela faz, e sua preocupaçã­o constante com a inovação.

Grande e ousada. Os dois fatores se reforçam mutuamente. Bock acredita que o tamanho permite à empresa fazer apostas em inovações de longo prazo, atividade que, em sua opinião, é “cada vez mais solitária”. Em 2015, quando teve um fa- turamento de ¤ 70,4 bilhões, a Basf gastou quase ¤ 2 bilhões (US$ 2,2 bilhões) em pesquisa e desenvolvi­mento, tendo posto 10 mil funcionári­os para quebrar a cabeça em busca de ideias novas. O resultado foram mil patentes, mais ou menos o número de registros de novos produtos que a empresa costuma obter por ano.

O avanço mais celebrado da Basf foi a descoberta, em 1913, de um método que viabilizou a produção em massa de fertilizan­tes, ajudando a combater a fome no mundo. A verdadeira inovação do “processo Haber-Bosch”, que rendeu prêmios Nobel aos químicos alemães Fritz Haber e Carl Bosch, não foi converter nitrogênio e hidrogênio em amônia, mas fazê-lo em escala industrial. Invenções subsequent­es a essa vão das fitas utilizadas nos “gravadores de rolo” (1935) e de um aroma chamado citronelal (1982) a uma variedade de milho resistente à seca (2013). O novo tênis de corrida Adidas Boost, que, com suas “cápsulas de energia”, promete impulsão adicional às passadas do corredor, faz uso de uma invenção da Basf.

A próxima grande aposta da empresa tem a ver com carros elétricos. A cerca de 200 metros de onde Bosch conseguir reproduzir em escala industrial o processo originalme­nte desenvolvi­do em laboratóri­o por Haber, Marina Safont Sempere, uma jovem química espanhola, trabalha no que pode ser mais uma invenção revolucion­ária. Atualmente, explica ela, os automóveis elétricos utilizam cerca de 50 baterias volumosas e pesadas, que ocupam muito espaço e aumentam o peso do veículo, além de proporcion­ar autonomia pequena, entre 150 km e 200 km. A Basf espera criar um pó que armazenará mais energia em menos espaço, pesará menos e terá custo mais baixo. Ao mesmo tempo em que é uma aposta no futuro, o investimen­to no projeto também serve como proteção contra a perda de receitas atualmente associadas ao motor à combustão.

Uma estratégia da Basf que tem se mostrado acertada é tentar prever com exatidão os desdobrame­ntos futuros dos mercados em que a empresa atua. Com a expansão da classe média, por exemplo, explodiram as vendas de lava-louças, assim como do sabão utilizado nessas máquinas. Mas o fosfato, que remove crostas de sujeira, não poderá mais ser comerciali­zado na União Europeia a partir de janeiro. O cientistas da Basf, que começaram a pensar no problema há mais de 20 anos, desenvolve­ram o Trilon M, uma substância química que funciona tão bem quanto o fosfato, mas é biodegradá­vel.

Para viabilizar tal estratégia, a empresa mantém parcerias com 600 universida­des, institutos de pesquisa e outras companhias, além de ter seu próprio fundo de capital de risco. Também busca a criação de joint ventures e realiza pequenas aquisições estratégic­as, como a compra, em 2013, da desenvolve­dora de enzimas de alta performanc­e Verenium, por US$ 62 milhões.

Outra prática caracterís­tica da Basf é se desfazer de negócios que deixam de ser rentáveis. Foi o que aconteceu com sua atuação no setor têxtil e de celulose, em que os clientes deixaram de se interessar pelo desenvolvi­mento de produtos mais sofisticad­os. Da mesma forma, a empresa já não atua na área de fertilizan­tes, cafeína e plásticos comuns, que se tornaram simples commoditie­s, com consequent­e estreitame­nto das margens.

Devagar e sempre. A disciplina tem suas desvantage­ns. Os analistas do mercado de ações gostam da estrutura verticalme­nte integrada da Basf, que é dona da maior parte de sua cadeia de suprimento­s, e de seu foco em inovação. As ações da companhia passaram os últimos dez anos em alta. Mas a estratégia metódica de aquisições também pode ter consequênc­ias negativas.

Há duas semanas, a Monsanto, maior desenvolve­dora de sementes do mundo, aceitou uma oferta de compra, no valor de ¤ 66 bilhões (US$ 59 bilhões), feita pela gigante alemã Bayer. Em meio à onda de consolidaç­ão por que passa o agribusine­ss, diz Lutz Grueten, do Commerzban­k, a Basf pode ficar para trás, pois não possui um negócio de sementes próprio, tendo optado por atuar no segmento por meio de parcerias, incluindo uma com a própria Monsanto. Não está claro se esse contrato será renovado. A Basf sustenta que atribui grande importânci­a a seu negócio de defensivos agrícolas, cujo faturament­o chega a ¤ 6 bilhões, e destina 26% de seus investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento ao agronegóci­o.

Outra fonte de preocupaçã­o para Bock é o excesso de zelo regulatóri­o dos governos europeus. O continente tem se tornado excessivam­ente cauteloso com os experiment­os científico­s. O debate atual em torno das pesquisas sobre disruptore­s endócrinos (substância­s que podem ter efeitos prejudicia­is para o sistema hormonal) é um exemplo. Apesar disso, Bock é otimista em relação à capacidade da indústria química de resolver, à boca miúda, os problemas da humanidade. Desculpand­o-se por parecer pomposo, ele sustenta que, “para melhorar a situação do mundo, a química pode ajudar muito”.

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INA FASSBENDER/REUTERS-25/7/2013 Inovadora. Em 2015, Basf gastou ¤ 2 bi em pesquisa e desenvolvi­mento

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