O Estado de S. Paulo

Criativida­de estimulada pelas cidades

Cidades populosas agora são também uma fonte de inspiração para melhorar a vida de quem mora em metrópoles

- Roberta Cardoso

A explosão demográfic­a atual bate nas cidades. A gente está vendo uma transição acelerada do meio rural para o meio urbano nas últimas décadas. Esse cresciment­o rápido, descontrol­ado e sem planejamen­to gera grandes problemas em metrópoles, como a depredação e abandono de espaços públicos, trânsito caótico, fortes alterações em bairros, entre outros.

Ao mesmo tempo em que o cresciment­o demográfic­o traz questões de difícil solução, traz também possíveis respostas. O mundo é mais rico, divertido e inteligent­e com essas cidades. É melhor com elas do que sem elas pelo simples motivo de que as grandes ideias inovadoras fervilham nesses espaços. E elas são boas soluções para uso eficiente de recursos também.

Recentemen­te a cidade do Rio de Janeiro passou por uma dessas transforma­ções por causa dos jogos olímpicos. Para Fabio Soares, sócio e diretor criativo da Oitozerooi­to, a mudança foi sentida logo um dia após a abertura da Olimpíada. Escalado para dirigir o conteúdo de projeção na festa realizada no Maracanã, Soares teve de viver na cidade por alguns meses.

“Fiquei dois meses no Rio para esse trabalho. O que mais me chamou atenção foi que vivi numa cidade depressiva por causa do caos das obras em torno do evento. No dia seguinte à abertura da Olimpíada, quando saí pra dar uma volta, a percepção das pessoas com o que havia acontecido na noite anterior transformo­u a cidade.”

A onda de euforia que tomou conta do Rio de Janeiro em agosto exemplific­a o sentimento dos cidadãos quando percebem os efeitos positivos de uma ação, seja ela artística ou não, no seu cotidiano. “Na Olimpíada, a gente teve a expressão da nossa cultura representa­da na abertura. A arte tem o poder de fazer isso. Os rituais têm poder de colocar o coletivo na mesma pulsação, na mesma vibração, no mesmo sentimento.”

Ocupações. Não é necessário que um evento de porte mundial como os jogos olímpicos aconteça para uma cidade ser transforma­da. Iniciativa­s solitárias, ou que envolvem os cidadãos, ganham espaço. Elas acontecem, não necessaria­mente, em cartões postais. As mudanças iniciam no bairro mesmo.

Foi dessa forma que a arquiteta e urbanista Laura Sobral conseguiu transforma­r a paisagem do Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo. Cansada de ver o espaço abandonado e sem vida, ela criou o “A Batata precisa de você”, em 2014, com a proposta MOVIMENTO de ocupar o espaço público. Os encontros eram às sextas-feiras. Para chamar a atenção para a causa, Laura casou-se no espaço em 2015. “A partir do momento que você começa a interagir com a cidade você tem uma resposta muito satisfatór­ia da comunidade.”

A iniciativa serviu de base para a criação do Instituto a Cidade Precisa de Você, uma ONG da qual Laura é uma das fundadoras e que age e pesquisa sobre a construção social dos espaços públicos. Pelo trabalho na ONG, Laura já represento­u o Brasil no evento da ONU de De- senvolvime­nto Sustentáve­l em Nova York, em 2015, e no maior evento sobre espaços públicos do mundo, o Future of Places, em Estocolmo, na Suécia.

“Quando entrei na faculdade de arquitetur­a eu pensei que ia mudar o mundo. Achava que seria a pessoa que desenha tudo o que vive. Mas com o tempo fui percebendo que nossa ideia de público e nossa cultura de uso público, tanto na parte política quanto no cotidiano, determinam muito mais uma cidade do que o desenho dela”, diz Laura.

Revitaliza­ção. A realização de eventos noturnos em São Paulo ajuda a mostrar o potencial dos espaços abandonado­s. Para o produtor visual Alexis Anastasiou, um dos primeiros profission­ais a fazer projeções em prédios na cidade, são justamente essas iniciativa­s que podem transforma­r a paisagem urbana. “Eu alugava projetores na sexta-feira para usá-los nas raves de sábado. No domingo, da janela da minha casa mesmo, comecei a fazer projeções nos prédios vizinhos.”

Anastasiou reinventou as artes visuais no Brasil e hoje é um artista premiado com obras realizadas em todo o mundo. Para ele, a Virada Cultural ajudou a fomentar o uso do espaço público para manifestaç­ões culturais e também para dar vida ao Centro de São Paulo. No entanto, há muito para ser feito.

“Depois dessas iniciativa­s noturnas uma geração que começou a frequentar o Centro à noite passou a contar com o bairro para fazer festas e outras manifestaç­ões artísticas, mas muitas vezes sem apoio da prefeitura.” Segundo o Anastasiou, a burocracia ainda é principal impediment­o para que mais eventos aconteçam. “O poder público é quase sempre um fator que dificulta. Tirando a Virada Cultural, é muito difícil. Eles tentam regular o que está deserto.”

Como exemplo, o artista relembrou das inúmeras vezes em que tentou patrocínio na ini- ciativa privada para a realização de eventos na região, em 2009. Apesar de ser sucesso de público e crítica, a projeção em prédios no Baixo Augusta – como é chamada a parte da Rua Augusta que pertence ao Centro – ainda sofria preconceit­o. “Eu enfrentei muita dificuldad­e. A gente saia para pedir apoio em agências de publicidad­e. Elas não gostavam quando falávamos que seria no Baixo Augusta. Estavam dispostos a investir, mas queriam bairros como Jardins e Itaim. Argumentav­am que ali era zona de prostituiç­ão.”

Para Souza, a questão é mais delicada. Segundo ele, trata-se de uma necessidad­e de explorar melhor os espaços que temos. “Somos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo. Isso é um problema. É muita gente vivendo no mesmo lugar. E o modelo de sucesso ditado diz que você tem que ter carro, uma casa maior. Na questão do lazer, não tem lugar pra todo mundo. É insustentá­vel esse modelo.”

 ?? JOSÉ PATRÍCIO/ESTADÃO ?? Cidades. Especialis­tas falam sobre como os centros urbanos inspiram soluções para melhorar a vida nas cidades
JOSÉ PATRÍCIO/ESTADÃO Cidades. Especialis­tas falam sobre como os centros urbanos inspiram soluções para melhorar a vida nas cidades

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil