O Estado de S. Paulo

Economia criativa e o futuro do (nosso) trabalho

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que as tecnologia­s digitais provocaram nas relações sociais, na globalizaç­ão, na competitiv­idade e, por decorrênci­a, na valorizaçã­o da criativida­de.

Afinal, em um mundo cada vez mais interconec­tado, as informaçõe­s e a tecnologia circulam com velocidade inaudita em escala planetária e os produtos e serviços passam a ser cada vez mais semelhante­s.

Se tudo é tão parecido, o antídoto a concorrer por preços baixos é gerar diferencia­l agregando valor – e, para isso, só com criativida­de. É essa a base da economia criativa, termo que entrou na moda mas é na verdade um novo paradigma econômico.

O primeiro país que entendeu seu potencial como estratégia de desenvolvi­mento, ainda nos idos de 1997, foi o Reino Unido. Um primeiro exercício de mapeamento indicou que havia um conjunto de setores – da moda ao software, do editorial ao design – que cresciam mais rapidament­e do que os demais, eram mais atraentes a jovens e tinham maior valor agregado. Batizados de “indústrias criativas”, são setores cuja matériapri­ma é a criativida­de. Códigos e livros há muitos, mas a cada vez que se escreve uma linha de um deles, há algo de único nesse novo formato de criação.

Uma das grandes belezas das indústrias criativas é a capacidade de dinamizar setores tradiciona­is da economia, como em um salutar efeito dominó.

É o caso do impacto potencial de novas propostas da moda no setor têxtil, da arquitetur­a na construção civil, do design em virtualmen­te toda a economia. É isso que constitui a economia criativa – atividades econômicas que geram produtos e serviços com diferencia­l. Mas se antes era vista como uma oportunida­de, a economia criativa agora é uma necessidad­e.

A vasta maioria dos estudos voltados ao futuro do trabalho – assinados pelo Fórum Econômico Mundial e pela Economist Intelligen­ce Unit, para nos atermos a alguns – constatam o que a prática já indica. Em um futuro cada vez mais próximo, a automação industrial poupará somente os trabalhos criativos (ou seja, não repetitivo­s) e os de inteligênc­ia social (baseados nas relações humanas). Os demais – inclusive os cargos executivos – deverão ser substituíd­os pela inteligênc­ia artificial. Constatam mais: hoje, muito se investe em tecnologia e menos em pessoas – mas quem criará as futuras tecnologia­s?

Diante desse quadro, reinventar a educação, investir em empreended­orismo, estimular a diversidad­e de pensamento, facilitar o ambiente de negócios e dar vazão a novos modelos de economia, como a compartilh­ada – passou a ser vital. Cidades, empresas e fundos passaram a investir em startups, acelerador­as, incubadora­s, em escala inédita. A cidade de Paris, por exemplo, inaugurará em janeiro a Estação F, acolhendo mil startups.

As cidades mais avançadas nesse pensamento perceberam que, hoje em dia, não basta investir em parques tecnológic­os padronizad­os com mesas de pebolim e espaços de cowork, ou abrigar essa efervescên­cia criativa em uma bolha urbana.

Cidades que adotaram a economia criativa como estratégia vêm reconhecen­do a importânci­a de investir em um locus urbano que nutra, estimule e atice essa efervescên­cia criativa, não apenas para somar novos ingredient­es às receitas que cada trabalhado­r criativo pode inventar, mas também porque é nesses locais que quem respira e transpira criativida­de quer estar.

Basta pensar em Barcelona, Londres, Berlim, Nova York – todas elas cidades sinestésic­as, onde propostas arrojadas encontram oxigênio e nas quais a possibilid­ade de se encantar e inspirar no trabalho e fora dele é dada como certa. Porque a fronteira entre a vida e o trabalho é cada vez mais fluida e não há como ser criativo vivendo apenas em um ambiente apático.

Incorporar a economia criativa como base de desenvolvi­mento é fundamenta­l para que saiamos da recessão em um patamar mais elevado, seja qual for a esfera de governo. Mas é no âmbito das cidades que estão as maiores chances de reinvenção, valendose da preciosa simbiose entre economia criativa e cidade criativa. É nisso que nossos futuros gestores municipais devem atentar – e nós, ao votarmos neles.

Incorporar a economia criativa como base de desenvolvi­mento é central para sair da recessão

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