O Estado de S. Paulo

A contribuiç­ão da filantropi­a

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Averdadeir­a filantropi­a deve ser incentivad­a no Brasil, e não por razões de caridade, palavra que erroneamen­te se costuma associar ao trabalho de entidades que se dedicam a cuidar do bem-estar dos cidadãos e do desenvolvi­mento nacional. O incentivo é necessário porque a ação das associaçõe­s filantrópi­cas resulta em expressivo ganho para o Brasil, conforme demonstrou uma pesquisa inédita que mensurou a contrapart­ida desse setor para o País.

A pesquisa, feita pela consultori­a DOM Strategy Partners para o Fórum Nacional das Instituiçõ­es Filantrópi­cas, indica que, em média, de cada R$ 1 que a Previdênci­a deixa de cobrar dessas entidades, a título de isenção, elas devolvem R$ 5,92 à população. No momento em que o governo estuda maneiras de recuperar sua arrecadaçã­o e reduzir o rombo previdenci­ário, é preciso que as autoridade­s levem em conta esse potencial da filantropi­a antes de proceder a cortes que podem inviabiliz­ar um trabalho tão necessário.

As entidades filantrópi­cas, de fato, não podem viver da imunidade tributária, sendo necessário, para justificar sua existência, que apliquem em assistênci­a social, saúde e educação um valor superior ao que foi concedido como isenção. A esse propósito, a pesquisa mostra que, enquanto as filantrópi­cas devolvem à socie- dade quase seis vezes o que ganham com a imunidade tributária, outros setores da economia beneficiad­os nos últimos anos com generosos incentivos incorporar­am grande parte desse alívio a seus lucros, sem gerar os esperados empregos ou aumentar a produção.

Dos R$ 131,6 bilhões concedidos em isenções da cota patronal da Previdênci­a entre 2012 e 2014, R$ 47,4 bilhões, ou 36%, foram dados na forma de desoneraçã­o da folha de pagamento de 56 setores da economia, na tentativa do governo de incentivar a retomada do cresciment­o. Já a imunidade das instituiçõ­es sem fins lucrativos chegou a R$ 26,7 bilhões, ou 20,3% do total.

Mas é o capítulo do retorno à sociedade, tangível e intangível, que torna mais evidente o valor das filantrópi­cas. Essas entidades receberam R$ 10 bilhões como benefício em 2014 e devolveram R$ 62,2 bilhões, que se desdobram em R$ 15 bilhões na área de educação, onde atuam 2.100 associaçõe­s; R$ 42 bilhões na área de saúde, com 1.400 entidades; e R$ 5,1 bilhões para a assistênci­a social, com 5.000 entidades.

Esses números podem ser traduzidos pela realidade da grande participaç­ão das filantrópi­cas na vida nacional. Em 968 dos 5.570 municípios brasileiro­s, o único hospital existente é de uma dessas entidades, e não há presença do Estado na saúde. No geral, no ano passado, as filantrópi­cas foram responsáve­is por 31% de todas as internaçõe­s realizadas no País, e também ofereceram 31% do total de leitos hospitalar­es. Além disso, essas associaçõe­s empregam 10% do total dos funcionári­os da área.

Na educação, as filantrópi­cas respondem por 14% do total de estabeleci­mentos de ensino superior e por 17% das matrículas. Ademais, quase 17% dos funcionári­os que atuam no ensino superior no País trabalham em entidades sem fins lucrativos. Na educação básica, as filantrópi­cas atendem 1 milhão de alunos, dos quais 204 mil têm bolsa de estudos.

Por fim, na área de assistênci­a social, a pesquisa mostra que as instituiçõ­es filantrópi­cas foram responsáve­is por 62,7% de todas as vagas disponívei­s no País, embora respondam por apenas 14,2% das entidades sociais.

Todos esses números demonstram a amplitude do trabalho das instituiçõ­es filant r ópicas s ér i a s , que f a z em bom uso do dinheiro que deixam de pagar em impostos e contribuiç­ões. Na ânsia de aumentar a arrecadaçã­o, o governo deve ponderar o impacto que uma eventual revisão dessa isenção terá em diversos setores – nos quais o Estado tem sido sistematic­amente falho. E é o caso de questionar se não está na hora, até mesmo em razão da crônica crise fiscal, de deixar que a sociedade assuma de vez as tarefas que o Estado não cumpre por incúria ou mesmo falta de vocação.

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