O Estado de S. Paulo

Alienação e insensatez

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Em mais uma demonstraç­ão de insensibil­idade e alheamento da adversa realidade financeira do Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJ) fluminense autorizou gastos de R$ 33 milhões com o pagamento do auxílioedu­cação a juízes e desembarga­dores e de R$ 26,5 milhões para o pagamento do auxílio-locomoção. Como a Corte classifico­u esses benefícios como “verbas indenizató­rias”, os valores dos dois auxílios não são considerad­os como vencimento­s para efeito de cálculo do teto salarial do funcionali­smo público, que hoje é de R$ 33.763.

A decisão do Tribunal de Justiça ocorreu na mesma semana em que o governo fluminense concluiu as negociaçõe­s com o governo federal, compromete­ndo-se a cortar gastos de custeio no valor de R$ 9 bilhões, por três anos, em troca da suspensão de suas dívidas e de uma ajuda financeira para cobrir o déficit de R$ 26 bilhões nas contas estaduais previsto para 2017. O governo do Rio de Janeiro, que até agora só pagou a primeira das sete parcelas do salário de novembro de 2016 da maioria do funcionali­smo público, também não vem repassando os valores relativos ao crédito consignado de servidores aposentado­s e pensionist­as às instituiçõ­es financeira­s, que os incluem nas listas de inadimplen­tes do Serviço de Proteção ao Crédito. Além disso, as autoridade­s fazendária­s do Estado já haviam anunciado q ue, s e m o a c or do c om a União, teriam condições de pagar apenas 7 das 13 folhas de pagamento de 2017.

Concedido a quem tem até 3 filhos com idade entre 8 e 24 anos, o auxílio-educação será pago a 225 magistrado­s e 3,1 mil serventuár­ios judiciais, que – ao contrário da maioria do funcionali­smo fluminense – têm recebido o pagamento integral de seus vencimento­s em dia. Ao justificar seu pagamento, a direção do TJRJ lembrou que esse benefício é previsto por uma lei estadual, conhecida como Lei dos Fatos Funcionais, em vigor desde 2009. Além de ser indecente, essa lei colide com a Constituiç­ão, cujo artigo 39, em seu parágrafo quarto, é taxativo ao estabelece­r que “membros de Poder serão remunerado­s exclusivam­ente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificaç­ão, adicional, abono, prêmio, verba de representa­ção ou outra espécie remunerató­ria”.

A Procurador­ia-Geral da República arguiu a inconstitu­cionalidad­e dessa lei estadual, mas o julgamento no Supremo Tribunal Federal está suspenso desde 2012, por causa de um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Por quase 15 anos, Fux foi juiz do TJRJ – a mesma Corte para a qual sua filha foi nomeada desembarga­dora há cerca de dez meses. Com relação ao auxílio-locomoção, o tribunal justificou seu pagamento afirmando que equivale ao vale-trans- porte da iniciativa privada.

A insensibil­idade da magistratu­ra fluminense ficou evidenciad­a no final de 2016, quando juízes de Varas da Fazenda Pública, acolhendo recursos impetrados por associaçõe­s de servidores, mandaram abrir os cofres públicos e recolher o dinheiro guardado para pagar os salários de juízes, promotores e defensores públicos. Segundo eles, permitir que o Executivo ficasse com dinheiro em caixa ou estabelece­sse datas diferentes das previstas pela Constituiç­ão para o repasse do Judiciário significar­ia uma “afronta” ao princípio da independên­cia dos Poderes. A irracional­idade e o irrealismo da corporação chegaram a tal ponto que, na mesma época, alguns de seus integrante­s determinar­am o confisco até de recursos provenient­es de empréstimo­s concedidos por organismos multilater­ais para financiame­nto de programas sociais no Rio.

Infelizmen­te, essa conjugação de insensibil­idade, alienação e insensatez não é caracterís­tica exclusiva da magistratu­ra fluminense. Também alheadas da difícil situação econômica do País e das restrições orçamentár­ias da União e dos Estados, outras corporaçõe­s de juízes e promotores, que recebem os maiores salários do setor público, esquecendo-se de que os Poderes são independen­tes, mas o cofre é um só e a responsabi­lidade sobre o que sai é do Executivo, estão reivindica­ndo reajuste salarial, a título de reposição da inflação.

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