O Estado de S. Paulo

A ‘mão de ferro’ da ‘Lava Jato carioca’

Magistrado responsáve­l por mandar prender Eike evita holofotes e nega ser rigoroso: ‘Juiz não pode deixar de cumprir a lei’

- Mariana Sallowicz

Antes mesmo de o dia clarear e a bordo de um cruzeiro de navio durante suas férias, o juiz fede- ral Marcelo da Costa Bretas, responsáve­l pelos desdobrame­ntos da Lava Jato no Rio, conduzia, por telefone, a Operação Eficiência na quinta-feira passada. Na ação, a Polícia Federal tentava cumprir o mandado de prisão contra o empresário Eike Batista, autorizado por Bretas no dia 13 de janeiro. Eike já foi considerad­o um dos homens mais ricos do mundo e está foragido.

Aos 46 anos, o magistrado ga- nhou notoriedad­e ao manter o mesmo rigor do juiz Sérgio Moro, face mais conhecida da Lava Jato, em suas condenaçõe­s e ao decretar prisões preventiva­s de investigad­os, entre eles, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB).

Sua atuação nos casos de corrupção à frente da 7.ª Vara Criminal Federal o credenciou a ser um dos lembrados para a vaga aberta no Supremo Tribu- nal Federal (STF) após a morte do ministro Teori Zavascki. O nome dele aparece junto ao de Moro em uma lista preliminar elaborada pela Associação dos Juízes do Brasil (Ajufe) com sugestões para o posto.

“A simples menção ao meu nome já é motivo de orgulho, mas não me considero mais capacitado do que os demais colegas”, afirmou ao Estado na noite de anteontem, por telefone, em uma de suas raras entrevista­s. De perfil discreto, diz preferir manter distância de discussões políticas.

Sem descanso. A exemplo de quinta passada, quando esteve em constante contato com a Polícia Federal e com o Ministério Público durante a Operação Eficiência, trabalhar no período de descanso se tornou rotina para Bretas. “Em janeiro estou de férias e continuo acompanhan­do o desenvolvi­mento dos processos sob minha responsabi­lidade”, afirmou o magistrado.

Bretas, que é casado com uma juíza federal e tem dois filhos, um de 13 anos e outro de 15, atravessav­a o Caribe em um navio com a família quando a operação foi às ruas. Coincident­emente, o principal alvo da Eficiência, Eike, tivera US$ 63 milhões bloqueados dias antes em um território caribenho, as Ilhas Cayman.

Rigor. Além de mandar prender nomes de peso como Eike e Cabral, Bretas também se notabilizo­u por ter dado a maior pena até agora a um réu nos casos relacionad­os à Lava Jato: condenou o ex-presidente da Eletro- nuclear, Othon Luiz Pinheiro, a 43 anos de reclusão. O vice-almirante, considerad­o o pai do programa nuclear brasileiro, foi considerad­o culpado por crimes cometidos na construção da usina nuclear de Angra 3.

Na sentença, Bretas diz que o ex-almirante, “que influencio­u mais de uma geração de engenheiro­s e oficiais da Marinha brasileira, abriu mão de sua honrada história” para obter, “já na fase derradeira de sua vida profission­al, vantagens indevidas, possivelme­nte para garantir uma aposentado­ria mais confortáve­l”.

Advogados que atuam em processos comandados por Bretas, ouvidos pelo Estado, demonstrar­am vê-lo como um juiz “linha-dura”. O magistrado, porém, negou ser rigoroso.

“Um juiz não tem o poder de deixar de cumprir o que a lei determina”, afirmou.

Bretas, que já foi chamado de “Moro carioca”, evita comparaçõe­s com o juiz de Curitiba,

’Linha-dura’ com quem disse manter boa relação. Afirmou, entretanto, que o contato entre eles não é comum. “Mas, sempre que precisamos nos falar, o tratamento é de auxílio mútuo”, disse.

Histórico. Bretas assumiu a 7.ª Vara Federal Criminal do Rio em 2015, após mais de 15 anos trabalhand­o em Petrópolis, na Região Serrana do Estado. Antes de ingressar na magistratu­ra, atuou como promotor de Justiça do Ministério Público do Rio e foi oficial de Justiça. Cursou Direito na Universida­de Federal do Rio, onde se formou em 1994, e concluiu curso de mestrado na Universida­de Católica de Petrópolis.

Logo que chegou à 7.ª Vara, especializ­ada em crimes financeiro­s e de lavagem de dinheiro, foi aos Estados Unidos para se aprofundar no tema. Participou de programa de três meses do Federal Judicial Center, órgão da Justiça Federal americana.

Nascido em Nilópolis, na Baixada Fluminense, o juiz é filho de um comerciant­e e de uma dona de casa. A exemplo dos pais, é cristão evangélico “desde sempre”.

Na decisão sobre a prisão de Cabral, o magistrado cita a Bíblia: “São atuais, portanto, os preceitos bíblicos consagrado­s no Livro de Eclesiaste­s (capítulo 8, versículo 11), que pontua: ‘Por que será que as pessoas cometem crimes com tanta facilidade? É porque os criminosos não são castigados logo’”.

Bretas concluiu a entrevista ao Estado com um provérbio, do qual diz “gostar muito”. “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria.”

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