O Estado de S. Paulo

Detenção de ilegais é a mais baixa em 40 anos

Nos 2 últimos anos, fluxo foi contido justamente pela ação do México, que barrou e deportou milhares de centro-americanos

- Cláudia Trevisan

Quando anunciou a construção de um muro de 2.200 km de extensão e 40 metros de altura na fronteira com o México, Donald Trump descreveu os EUA como uma nação inundada por imigrantes ilegais, muitos dos quais delinquent­es que levam drogas e violência a seu país. Mas as estatístic­as mostram que o número de pessoas apreendida­s ao cruzar a fronteira está no mais baixo patamar desde a década de 70.

Nos últimos dois anos, o fluxo foi contido pela atuação justamente do México, que deportou dezenas de milhares de centro-americanos que fugiam da pobreza e criminalid­ade em direção aos Estados Unidos. Apesar de serem o principal alvo dos ataques de Trump, os mexi- canos representa­ram menos da metade dos que foram detidos na fronteira no sul dos EUA. Do total de 416 mil, 223 mil vinham da América Central.

O pico da imigração de mexicanos para os EUA foi registrado dos anos 80 até o início da década passada. O recorde ocorreu no ano 2000, quando 1,6 milhão de pessoas foram detidas pela polícia fronteiriç­a. O fluxo diminuiu depois da crise financeira de 2007-2008 e não voltou aos patamares anteriores.

Trump também apresenta o muro como uma barreira ao tráfico de drogas. Mas estatísti- cas da agência de combate às drogas (DEA) mostram que a maior parte dos entorpecen­tes entra nos EUA pelos postos oficiais da fronteira, escondida em meio a mercadoria­s transporta­das em caminhões.

Os imigrantes foram descritos por Trump como criminosos que ameaçam os americanos, mas estudo do Pew Research Center concluiu que a primeira geração de imigrantes ilegais que vivem nos EUA comete menos delitos do que a média da população. Ilegais, eles se esforçam para ficar fora do radar da polícia. A criminalid­ade aumenta na segunda geração, nascida nos EUA, mas para índices semelhante­s à média nacional.

“O cenário apresentad­o por Trump é uma ficção. Ele está criando um reality show com base em exageros que não têm base na realidade”, disse Vicki Gaubeca, diretora para direitos da fronteira no Novo México da principal entidade de defesa dos direitos civis dos Estados Unidos, a ACLU. Segundo ela, os imigrantes na fronteira estão “aterroriza­dos” com a possibilid­ade de aumento das deportaçõe­s no novo governo.

O muro ainda é uma realidade remota, já que demandará anos para sua conclusão, mas muitas das medidas anunciadas por Trump terão impacto imediato na vida dos 11 milhões de imigrantes que vivem nos Esta- dos Unidos sem documentos.

A principal delas é a mudança nos critérios que definem as prioridade­s para a atuação dos agentes de imigração. Na gestão de Barack Obama, os esforços eram concentrad­os em autores de crimes graves, pessoas que representa­vam ameaças à segurança nacional ou aquelas que haviam entrado no país recentemen­te.

Trump ampliou esse leque para incluir atos como dar declaraçõe­s falsas a agências de gover- no ou “abusar” de programas de concessão de benefícios públicos. “Isso tem o potencial de atingir toda a população de imigrantes (sem documentos). Não há diferencia­ção entre os que estão trabalhand­o duro para alimentar suas famílias dos que realmente representa­m um perigo”, avaliou Brent Wilkes, diretor executivo da Liga Unida de Cidadãos Latino-Americanos (Lulac).

Muitos dos 11 milhões de ilegais vivem nos EUA há mais de uma década, trabalham e pagam impostos. Em vários Estados, eles podem obter carteira de motorista e, em todo o país, políticas públicas impedem que escolas peçam prova de status migratório­s para seus alunos. Se não se envolver em crimes, a maioria consegue viver sem problemas.

No início de sua campanha, Trump prometeu deportar todos os que estejam nos EUA de maneira irregular. Depois de sua vitória, o presidente reduziu para 2 a 3 milhões este número, limitando, segundo ele, a pessoas que teriam cometido crimes.

A deportação em massa teria impacto sobre a economia americana, especialme­nte em setores com elevada dependênci­a de mão de obra barata. Os imigrantes sem documentos representa­m 5% da força de trabalho do país, mas o porcentual é bem maior em determinad­as áreas. Na agricultur­a, ele chega a 26%, de acordo com estudo do Pew Research. Em serviços de limpeza e manutenção, a fatia é de 17%. Na construção, de 14%.

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DAVID MCNEW/AFP-26/1/2017 Cercado. Muros ou cercas já isolam 1 mil km de fronteira
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