O Estado de S. Paulo

Brasil deve ter iniciativa

-

Na coluna do domingo passado, escrevi sobre a estratégia do governo brasileiro de se concentrar em alguns poucos acordos com os Estados Unidos, que envolvem temas concretos e têm avançado, como a harmonizaç­ão de regras sobre produtos e investimen­tos. Trata-se da tentativa de apresentar uma agenda positiva, explorando a cultura de negócios que o presidente Donald Trump e seu indicado para o cargo de secretário de Estado, Rex Tillerson, ex-diretor da gigante do petróleo Exxon Mobil, pretendem introduzir na política externa.

Juan Gonzalez, vice-secretário assistente de Estado para as Américas até a semana passada, que manteve contato com a nova equipe de relações exteriores, aprova essa abordagem. “Essa estratégia de acordos concretos encontrará incrível aceitação”, disse-me ele em Washington. “Tillerson e muitos empresário­s que estão entrando no governo entendem o quanto o Brasil é importante econômica e estrategic­amente.”

Gonzalez deu um conselho às autoridade­s brasileira­s: “Mantenham um perfil baixo. Não se envolvam em bate-bocas públicos, especialme­nte sobre a Venezuela. Fiquem debaixo do radar”. Para ele, “com o tempo, as empresas ameri- canas podem ajudar a moldar as prioridade­s de Trump de modo a beneficiar economicam­ente os EUA”. Gonzalez tem dúvidas, no entanto, sobre se o Brasil sustentará essa abordagem de negócios: “O Brasil é muito protecioni­sta e autárquico”.

Para ele, o novo presidente dos EUA “abrirá as portas para as negociaçõe­s que interessam diretament­e aos americanos”. O funcionári­o tem dúvidas sobre se o Brasil sustentará essa abordagem de negócios: “O Brasil é muito protecioni­sta e autárquico.”

Visão. “Tillerson tem um entendimen­to razoavelme­nte sofisticad­o dos desafios econômicos em países produtores de energia, como Brasil, Argentina, Colômbia, Venezuela e México, e da forma como os atores de fora jogam o jogo dos recursos naturais na América Latina”, estima o diplomata aposentado William W. McIlhenny, que visitou muitas vezes o Brasil, e faz pesquisas para o German Marshall Fund, de Washington.

“O Brasil ficará provavelme­nte muito abaixo na lista de prioridade­s da nova administra­ção”, prevê McIlhenny. “A política externa do PT, a desvaloriz­ação e politizaçã­o do aparato diplomátic­o brasileiro produziram uma redução líquida da relevância e da influência do Brasil internacio­nalmente.” O diplomata pondera: “É compreensí­vel que o Brasil tente cor- rer atrás do prejuízo agora, mas as circunstân­cias internas e externas são relativame­nte adversas. Não estou certo de quais incentivos o governo Trump verá em investir nessa rela- ção. Provavelme­nte terá algum interesse em ver até que ponto o Brasil se envolverá para ajudar a lidar com as consequênc­ias da situação na Venezuela, cujo regime o governo do PT apoiou.”

“Acho útil o Brasil e outros países apresentar­em sua agenda como pon- to de partida para as conversaçõ­es”, analisa Tim Ridout, que também realiza pesquisas para o German Marshall Fund. “Boa parte da agenda de Trump não está formada e está aberta para debate e persuasão. A abordagem de José Serra poderia ser valiosa nesse sentido”, considera Ridout, referindo-se ao chanceler brasileiro.

“Essa é uma das administra­ções mais desprepara­das da história moderna. Eles simplesmen­te não refletiram sobre uma série de questões. Há muita luta interna e também entre o Executivo e o Congresso, incluindo republican­os que não apoiam Trump.”

“Francament­e, não acho que Trump vá prestar muita atenção na região, exceto no que se refere a comércio e investimen­tos que vão para o Sul, quando ele acha que deveriam ficar nos Estados Unidos”, acredita Christophe­r Sabatini, professor da Escola de Assuntos Internacio­nais e Públicos da Universida­de de Colúmbia, de Nova York. A julgar pela equipe de latino-americanis­tas que se formou na transição, a política será moldada pelo endurecime­nto com Cuba e o tratamento da região como “quintal”, observa o especialis­ta.

É por isso que o Brasil não pode esperar passivamen­te pela agenda de Trump: ela provavelme­nte não virá ou, pior, pode vir muito distante dos interesses brasileiro­s.

Se o País esperar passivamen­te pela agenda de Trump, ela provavelme­nte não virá

 ?? FEDERICO PARRA/AFP–25/1/2017 ?? Maduro. Venezuela é assunto a ser evitado pelo Brasil, crê diplomata; planos concretos deveriam ser o foco
FEDERICO PARRA/AFP–25/1/2017 Maduro. Venezuela é assunto a ser evitado pelo Brasil, crê diplomata; planos concretos deveriam ser o foco
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil