O Estado de S. Paulo

Alistament­o deve ser online em todo o País em 2018

- Isabela Palhares

Grupo mais afetado pelo aumento do desemprego no País, muitos jovens deixaram de ver o alistament­o militar como uma obrigação e passaram a enxergar nele uma opção diante da crise. No Estado de São Paulo, nos últimos dois anos, dos cerca de 350 mil rapazes que fazem anualmente o alistament­o, 10%, ou 35 mil, queriam entrar para o serviço militar, em vez de serem dispensado­s. Até 2014, apenas 5% diziam querer ser convocados, segundo informaçõe­s do Comando Militar do Sudeste.

Para o tenente-coronel Lúcio Ferreira de Medeiros, da 4.ª Circunscri­ção Militar de São Paulo, o aumento da procura está relacionad­o ao momento econômico. No terceiro trimestre do ano passado, o desemprego entre os jovens de 14 a 24 anos chegou a 27,7%, enquanto a taxa total foi de 11,8%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“É um aumento significat­ivo para o Exército e, infelizmen­te, não temos condições de absorver muitos desses jovens”, disse Medeiros. Os incorporad­os têm 11 meses de estabilida­de e recebem um soldo inicial de R$ 769. Em São Paulo, são 8,1 mil vagas para as três forças (Exército, Marinha e Aeronáutic­a) – consideran­do apenas os que querem entrar para o serviço militar, são quatro vezes mais interessad­os do que vagas.

Por causa da concorrênc­ia, Kauê Neves dos Santos, de 18 anos, iniciou há algumas semanas um treinament­o para se destacar dos demais candidatos nos exames físico e médico. Ele fez o alistament­o obrigatóri­o no ano passado e enfrentará a primeira seleção para o serviço militar.

Santos fez curso técnico de Edificaçõe­s na rede pública, mas ao se formar teve dificuldad­e para encontrar emprego. No último ano, só conseguiu “bicos” como segurança. Por isso, viu o serviço militar como opção de emprego e estabilida­de. “O mercado de trabalho está muito difícil. Achava que a

Desde o ano passado, o Exército começou a fazer o alistament­o obrigatóri­o online em 21 unidades da federação. A expectativ­a é de que em janeiro do próximo ano o serviço chegue a todo o País, o que deve resultar em uma economia de R$ 2 milhões.

Anualmente, cerca de 1,8 milhão de jovens são alistados em todo o território nacional. Para este ano, a previsão é de que 97

área de engenharia iria me assegurar um bom emprego, mas não encontrei nada. Então, pesquisei e conversei com muita gente que dizia que o Exército poderia me dar mais oportunida­des.” Santos espera conseguir trabalhar na área de engenharia da carreira militar.

Segundo Medeiros, a maioria dos convocados após um ano mil sejam incorporad­os a Exército, Marinha e Aeronáutic­a. Conforme o Exército, nos últimos anos, entre 92% e 96% dos incorporad­os queriam entrar para o serviço militar. Com o sistema online para o alistament­o, foi retirada do formulário a pergunta quanto a ser voluntário ou não. Portanto, tal índice deixará de ser tabulado.

Em São Paulo, o alistament­o online ainda não chegou ao interior, mas já é feito em 32 cidades da Grande São Paulo. E a previsão é de que seja utilizado neste ano por pelo menos 150 mil jovens.

tem interesse em continuar no Exército, mas há ainda menos vagas – cerca de 10% a 20% para cada organizaçã­o militar. “Nós lamentamos porque dispensamo­s muitos jovens bons, com vontade de aprender mais. Mas sempre dizemos que os aprendizad­os do Exército servem e são valorizado­s em qualquer emprego ou carreira que seguirem.”

Natan Laudino, de 19 anos, conclui em fevereiro o primeiro ano de serviço militar na Aeronáutic­a. Ele disse que gostaria de continuar na carreira, mas, se não for selecionad­o, pensa em retomar o curso técnico de fotografia que parou quando foi incorporad­o. “Foi um aprendizad­o muito bom, vou levar para toda vida. Aprendi sobre respeito, trabalho em equipe e a mexer em armamento, sobreviver na selva. Experiênci­as que todo menino gostaria.”

Tendência. Segundo Peterson Silva, professor de Relações Internacio­nais da Faculdade Rio Branco que foi pesquisado­r associado do Centro de Estudos Estratégic­os do Exército em 2016, em outros países o serviço militar também atrai jovens em momentos de crise. “Estados Unidos e Reino Unido também registram variações que acompanham a economia. A carreira militar atrai pela estabilida­de e pelo salário, como um concurso público. Para jovens de classe média e baixa, o serviço militar aparece como opção.”

Silva disse que muitos adolescent­es também são atraídos por uma visão “romantizad­a”. “Muitos têm referência­s do que viram em filmes, querem mexer em armamento, fazer o treinament­o físico. Outra benesse é que o Brasil não tem histórico recente de participaç­ão em conflitos, então não há o mesmo medo de ser militar como nos Estados Unidos.”

Amarílio Ferreira Júnior, pesquisado­r de políticas educaciona­is da ditadura militar pela Universida­de Federal de São Carlos (UFSCar), afirma que o aumento da procura também está relacionad­o a uma retomada do prestígio do Exército. “Esses jovens não viveram a ditadura, quando os militares eram temidos. Hoje, o Exército recuperou sua confiança com a sociedade. Os militares são vistos positivame­nte e, consequent­emente, muitos querem fazer parte.”

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Foco. Kauê iniciou treinament­o para se destacar dos demais concorrent­es

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