Sacrilégio
AFifa eventualmente dá bola dentro. Não foi desta vez, ao admitir, como havia antecipado Jamil Chade, que imprime chancela oficial só nos campeões mundiais de clubes a partir das edições de 2000 e daquelas de 2005 em diante. Os títulos conquistados entre 1960 e 1999, além das taças disputadas no período entre 2000 (nesse ano, houve o torneio no Brasil e o confronto em Tóquio) e 2004, não passariam de tira-teimas intercontinentais entre o vencedor da Taça Libertadores e o ganhador da Champions League. Mesquinharia.
A Fifa deixa escapar excelente oportunidade de fazer reverência ampla ao futebol, que, salvo engano, é a razão da existência dela. Ao recusar-se a dar aval a mais de 40 edições do desafio Europa-América, apenas reitera a estreiteza de mentes de burocratas, de gente que se prende a estatutos, normas e regras discutíveis e ignora a emoção e o valor do que ocorreu nos gramados. Sufocou a sensibilidade de perceber a grandeza de tantos duelos épicos.
A postura da entidade dirigida por Gianni Infantini nega a história em vez de absorvê-la e, por tabela, enriquecerse. Ainda mais num momento em que procura resgatar imagem de seriedade e transparência, depois de anos e anos de maracutaias, negócios escusos, dirigentes afastados, denunciados e presos.
Fica a impressão de que desafio de tamanha dimensão tem menos de duas décadas de existência. Uma tolice e contradição, pois em diversos dos encontros entre os campeões desta parte do globo e do Hemisfério Norte aparecem o logotipo da Fifa, bem como os árbitros eram aqueles designados por ela. E renega comunicados anteriores, em que validava aqueles e ainda as Copas Rio de 1951 e de 19552 – polêmicas, é verdade.
Por desconhecimento, birra ou má fé, há quem desdenhe os antigos mundiais de clube com o argumento de que se tratava de “troféu do jipe”. Explicação simplista e fútil. Os japoneses assumiram o compromisso de organizar o embate nos anos de 1980, para impedir que, àquela altura, desaparecesse.
Durante 20 anos, havia uma partida na Europa e outra na América do Sul. Eventualmente uma terceira, ou a “ne- gra”. Em determinado momento, os europeus ameaçaram não participar mais pois se sentiam vítimas de “guerras” do futebol provocadas por nós e nossos vizinhos. Daí entraram em cena os nipônicos e a oferta de campo, taça, uma boa grana e visibilidade.
A Fifa só se deu conta de que valeria a pena ter um Mundial de Clubes no ano 2000, atraída por possibilidade de ganhos extraordinários e animada por parceiros de ocasião. A motivação esportiva serviu como pano de fundo. O negócio era bufunfa mesmo. Tanto que cancelou a edição de 2001, prevista para a Espanha, por falta de patrocinadores. Ou seja, se a intenção era a de desenvolver uma nova competição, ela que bancasse tudo. Para não morrer, o que aconteceu? Lá vieram os japo- neses, de novo, com sugestão de ajeitar tudo, a partir de 2005.
Para muitos, então, não foi mais “troféu do jipe”... e passou a ter valor porque permite a presença de representantes de “todos os continentes”. Fosse assim, mais das metades das Copas do Mundo não valeriam, pois não tiveram seleções de todos os cantos do planeta. Cada uma...
O mais triste, nesse comportamento bitolado, é a injustiça, heresia, sacrilégio que se comete contra gerações de astros de primeiríssima grandeza. A Fifa ignora que Pelé, Coutinho, Zico, Júnior, Beckenbauer, Platini, Cruyff, Raí, Puskas (que dá nome a um prêmio para o gol mais bonito), Di Stéfano e tantos outros craques não foram campeões mundiais de clubes. Ora!
Como é dada a vaivéns, quem sabe um dia reconsidere e reúna todos os vencedores, que, independentemente disso, são sempre festejados como tal. O resto é zoeira de torcedor.
A Fifa comete pecado mortal ao ignorar os Mundiais de Clubes antes do ano 2000